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Rui Osório, 73 anos

Rui Osório, 73 anos

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NO mês em que comemora o seu jubileu sacerdotal, Rui Osório, 73 anos, olha para trás e vê uma vida preenchida. Jovem discípulo de D. António (o bispo do Porto que Salazar exilou), fundou o jornal Voz Portucalense, lutou contra a ditadura e teve polícias nas missas, a gravarem-lhe as homilias. Depois do 25 de Abril, com a bênção do seu bispo, foi jornalista profissional no JN. Aos 65 anos reformou-se – e estreou-se como pároco na Foz Velha.

A 27 de outubro de 2005, o dia em que fez 65 anos, Rui Osório de Castro Alves reformou-se, deixou de ir to­dos os dias ao Jornal de Notícias e passou a ser o padre Rui, da paróquia de São João Baptista da Foz do Douro, vulgo Foz Velha. Deixou de ir todos os dias, mas passou a ir todas as semanas, às sextas-feiras à tar­de, para paginar a sua coluna sobre assuntos religiosos, publicada na edição de domingo. A conversa aqui resumida teve lugar na re­dação do jornal onde o padre trabalhou durante 28 anos e chegou a chefe de redação (só não subindo mais alto na hierarquia para se manter fiel a uma promessa feita a D. António), na sexta-feira que foi a véspera do dia em que comemorava os cinquenta anos da sua ordenação. Para facilitar o trabalho trouxe numa pen uma dúzia de fotos representativas das principais etapas da sua vida, bem como o livro intitulado O Senhor Escreva Connosco, em que reuniu as ho­milias proferidas no último ano, bem como uma cronologia ilus­trada dos cinquenta anos que leva como padre.

A opção pelo seminário foi vocação ou teve razões económicas?
Nem uma coisa nem outra. Foi um acaso. A minha irmã Fernanda morreu aos 17 anos, em maio de 1951, com um problema do coração. Eu tinha 10 anos, estava a concluir a primária e ia continuar os estu­dos no Colégio dos Carvalhos. Mas a tristeza de perder a filha deses­tabilizou muito a minha mãe, ao ponto de ter deixado passar o prazo para me inscrever no exame de admissão ao liceu. No ano seguinte, digamos que sabático, fiquei ao alto, e por altura das férias da Páscoa encontrei um colega da primária que tinha ido para o seminário, no Colégio da Formiga, em Ermesinde. Perguntei-lhe como é que ele se dava por lá e ele falou-me com tal entusiasmo do campo de futebol, das instalações, que eu decidi logo que era exatamente aquilo que queria. Sempre gostei muito de futebol e sou portista desde que nasci. Trouxe isso no código genético. Cheguei a casa, no Olival [Gaia] e disse à minha mãe que se insistia em que eu continuasse a estudar era para o seminário que queria ir. Ela aceitou, sem me pressionar. Deu-me liberdade. Talvez até o sonho dela fosse ter um filho padre. Mas não condicionou a minha escolha.

E o pai?
O meu pai, José Alves Sousa, que era carpinteiro, emigrou para Lourenço Marques quando eu tinha 2 anos – era o mais novo dos quatro irmãos, com uma diferença de sete anos para a minha irmã e de nove e dez anos para os rapazes mais velhos. Em Moçambique, trabalhou em diversos ofícios, na construção civil ou fiel de arma­zém, assegurando sempre o sustento da família através de uma men­salidade que nunca falhou. E não mandava só dinheiro, mas tam­bém cartas, quase diárias, que a minha mãe, Amélia Celeste Osório de Castro, me dava a ler, talvez para compensar o facto de eu não ter memória visual dele. Cresci com um pai ao mesmo tempo ausente e muito presente.

Eram uma família muito religiosa?
Íamos à missa aos domingos e tínhamos ideias claras. Deus era amigo lá de casa. Naqueles anos de fome do pós-guerra, não tínha­mos a noção de propriedade privada, mas um grande sentido da partilha. A porta da nossa casa estava sempre aberta. Se a mãe com­prava um quilo de bananas, elas eram partilhadas com quem che­gasse. O pai mandava regularmente de Moçambique sacos de açú­car com caramelos dentro. Nunca eu e os meus irmãos os comemos todos. Oferecíamos sempre uma boa parte deles a amigos e vizinhos.

E que tal a experiência do seminário?
Boa. Os meus irmãos mais velhos apostaram com a minha mãe que eu não aguentava oito dias. Que ia telefonar para casa, morto de saudades, a pedir para me irem buscar. Enganaram-se. Demorei-me 12 anos no seminário e saí de lá padre.

Já tinhas ideia de ser padre quando entraste no seminário? *
Não. Estava a estudar, não estava a pensar ser padre. Até ao quin­to ano era só um aluno razoável, que fazia os mínimos para passar, com vergonha de reprovar, pois não havia essa tradição na família. No quinto ano, como ainda não tinha decidido o curso que queria seguir, fiz as duas secções, de Letras e de Ciências. Apliquei-me e dispensei das orais. A partir daí tomei o gosto ao estudo. A meta que me tinha sido inculcada pela família era ter um curso superior. Se não tivesse ido para o seminário, provavelmente teria sido advoga­do, como o meu irmão mais velho. Havia na família uma tradição e sedução pelo Direito.

Qual foi o momento da decisão?
Eu tinha 19 anos quando a minha mãe morreu, aos 47 anos. Os meus irmãos, que não queriam que eu fosse sacerdote, tinham emi­grado para Moçambique. Depois de um ano na Formiga, dois no Colégio do Trancoso [Gaia] e quatro no Seminário do Vilar, tinha de escolher. Decidi ser padre ao escolher Teologia. Ainda não havia a Universidade Católica, não fazia o mínimo sentido estudar Teologia se não quisesse ser padre.

Nunca tiveste dúvidas? O celibato não te assustou?
Costumo dizer que sou um ser sexuado dos pés à ponta dos cabelos. O celibato faz parte do meu corpo e da minha sexualidade. Não pode ser encarado como um fardo, mas sim como algo integrado na estrutura da minha personalidade.

Antes, tiveste namoradas?
Tive. Saber que ser ordenado implica o celibato é importante, mas não é um fator decisivo quando se decide ser padre.

Como foi o dia da ordenação?
Na medida em que é um compromisso com um projeto de vida, é sempre um grande dia.  E no meu caso, foi num grande tempo, pois o 2 de agosto de 1964 aconteceu num período de grande re­novação da Igreja, em plena conclusão do Concílio Vaticano II, de 1962 a 1965.

O bichinho da comunicação social mordeu antes ou depois da ordenação?
Antes. Ainda estudante de Teologia tive dois programas na Rá­dio Renascença, o Colóquio e oHorizontes Pastorais, em que dialoga­va com os ouvintes e que me deram bastante desembaraço. Eram ouvidos à hora do almoço no seminário. E no quarto ano fui funda­dor de uma revista, a Ensaios, de que só saíram três números. Entre­tanto, o D. Florentino suspendeu-a, não gostando da expressão cul­turalmente renovadora.

Onde te abastecias de livros?
Na Biblioteca do Seminário do Vilar, que era magnífica e tinha de tudo, desde cantigas de amigo até à mais moderna literatura portu­guesa. E gastava em livros e cigarros (Três Vintes e Português Sua­ve) a generosa mesada que o meu pai me mandava. Na tarde por se­mana que nos deixavam sair, ia ao cinema e batia as livrarias da Bai­xa, a Tavares Martins, a Lello e a Bertrand. Sempre gostei muito de ler. Aprendi, ainda antes de ir para a escola primária, no Dicionário Ilustrado da Lello, com a ajuda de um meu irmão. Lembro-me de com 5-6 anos folhear com curiosidade a Velhice do Padre Eterno.

Foi nos livros que encontraste a consciência política?
Não. As minhas prioridades nas leituras extracurriculares sem­pre foram a literatura  e a filosofia portuguesas. O despertar da mi­nha consciência cívica e política devo-a a D. António Ferreira Go­mes, à busca da resposta à pergunta sobre o que é que estava a acon­tecer no país para um bispo ser exilado. A partir daí estive sempre em todas as lutas. Nunca desarmei apesar de ter sido vítima da cen­sura e da perseguição da polícia política. Nas minhas homilias, na Igreja das Carmelitas, nunca deixei de defender as liberdades, os direitos e as garantias dos cidadãos que estavam suspensos pelo salazarismo. Nunca desarmei e por isso nalguma das minhas mis­sas tive polícias com gravadores no ar – e polícias com cães à por­ta da igreja. E nunca desarmei porque sendo eu um homem a quem a mulher não se queixa e os filhos não pedem pão estava mais livre e disponível. Podia ser julgado e condenado sem que isso afetasse a vida de terceiros.

Quando viste o teu pai pela primeira vez?
Aos 21 anos, em 1961, nas férias, quando acabei o segundo ano de Teologia. Voei num Super Constellation até Moçambique, uma via­gem com várias escalas que durou 26 horas. À chegada, no aeroporto de Lourenço Marques, apesar de só o conhecer de fotografia, fui logo direito a ele e abracei-o. Ele puxou de um cigarro, eu puxei de outro, antes de acender perguntei-lhe se atendendo à minha idade achava necessário pedir-lhe autorização para fumar à frente dele, ao que ele respondeu que não, para eu estar à vontade.

Onde foste colocado depois de ordenado?
Mandaram-me para coadjutor em Campanhã, mas não estive lá muito tempo. Entretanto, terminou o Concílio Vaticano II e uma das suas recomendações era a Igreja estar atenta à comunicação social. Como eu tinha experiência e colaborava com o Diário do Norte, com notas sobre o significado da Páscoa, do Natal e outras matérias de di­vulgação, D. Florentino chamou-me e fui como bolseiro para a Uni­versidade de Pamplona. Aproveitei os dois anos que estive em Na­varra para fazer umas cinco ou seis visitas ao D. António, que esta­va em Lourdes.

Foi a primeira vez que estiveste com ele?
Não. A primeira vez foi em 1965, quando eu e o padre Elói Pinho nos metemos no Sud-Expresso, com um cartão de apresentação es­crito pelo padre Dr. Domingos Pinho de Brandão, e estivemos oito dias em casa dele.

Qual foi a primeira impressão?
Muito forte. Impressionou-me muito. Era um aristocrata de ori­gem rural, um homem de grande cultura, grande caráter e abertu­ra no diálogo. Depois de o conhecer, integrei um grupo de leigos, com o Sá Carneiro (que tinha sido colega em Direito do meu irmão mais velho), o Joaquim Macedo e outros, para que o bispo do Porto fosse autorizado a regressar do exílio. Foi através deste grupo que D. António soube, em 1969, que podia voltar. O Marcelo Caetano ti­nha grande consideração pelo Francisco Sá Carneiro de quem tinha sido professor e avisou-o que, por ele, D. António poderia regressar.

Não chegaste a fazer tropa?
Não. Devia ter sido chamado quando estava bolseiro em Espa­nha. Mas se fosse incorporado, levantaria objeção de consciência. Eu tinha uma posição bem clara contra a guerra colonial. Em 1973, como jornalista da Voz Portucalense, participei numa digressão por Angola a convite do Movimento Nacional Feminino [MNF]. No final de um briefing, num cinema em Luanda, o coronel deu uma gargalhada forçada quando lhe perguntei se era verdade que estavam a usar napalm para dizimar as populações. Como lhe exigi que respondesse sim ou não, ele acabou por dizer, com um sorriso amarelo, «obviamente que não…». Essa viagem de 15 dias deu-me para perceber a falsidade do slogan«Angola é Nossa». E acabei involuntariamente por protagonizar um episódio marcante. Numa conversa informal, em Nova Lisboa, sem saber que estava a ser gravada, afirmei não acreditar numa solução militar para um conflito que só poderia ser resolvido politicamente. As minhas declarações foram para o ar numa rádio local e quando voltei a Luanda parecia uma vedeta. No voo de regresso, Cecília Supico Pinto, a líder do Movimento Nacional Feminino, contou-me que o avião partira com duas horas de atraso porque o São José Lopes, o diretor da PIDE em Angola, me quis impedir de embarcar, pois estava muito empenhado em que eu ficasse lá a conhecer melhor a realidade local…

O regresso de D. António acabou por ter uma grande influência na tua vida pois proporcionou a fundação da Voz Portucalense.
Antes ainda dei aulas de Religião e Moral na Escola Industrial de Gaia, muito gratificante. Ainda noutro dia encontrei um antigo alu­no que me fez uma grande festa. Integrei a equipa fundadora da Voz Portucalense, cujo primeiro número saiu a 3 de janeiro de 1970 comi­go como chefe de redação.

E que tal?
Foi uma experiência fantástica, apesar de todas as semanas a Cen­sura nos obrigar, em média, a refazer quatro das nossas 12 páginas. Estavam particularmente atentos porque era o jornal do bispo do Porto e tinha gente a escrever lá como o Mário Zambujal, o Mário Castrim, o José António Salvador, o Luís Humberto e o Germano Sil­va. Estive ao lado de Sá Carneiro e Francisco Balsemão na luta con­tra a Censura. A Voz Portucalense foi uma pedrada no charco, ao pon­to de ser considerada um dos semanários de referência da oposição democrática, a par doNotícias da Amadora, do Comércio do Funchal e do Jornal do Fundão.

Até que…
Em 1977, não tendo já o desafio de driblar a Censura e acabado o prazer de acompanhar a descoberta surpreendente da democracia pela nossa sociedade, pedi uma audiência a D. António e sugeri-lhe que a diocese investisse no fortalecimento da Voz Portucalense.

E ele?
Não aceitou. Pelo que lhe pedi que me dispensasse e me mandasse paroquiar. Então D. António disse-me [e passa a falar imitando a voz do bispo do Porto]: «Quer deixar? Gosta do jornalismo e vai deixar?  Diga qual é a sua ambição.» Eu respondi-lhe que não a ia dizer, pois ele iria discordar. Mas perante a sua insistência, confessei que gostaria de me profissionalizar como jornalista.

E ele?
Olhou-me e disse [voltando a imitar a voz do bispo]: «E porque não?», argumentando de seguida com o que eu escrevera numa das crónicas da rubrica «Atualidade Religiosa», que mantinha há oi­to anos no Comércio do Porto. «Não foi você que disse que mais im­portante que uma imprensa católica são os católicos na imprensa? Se ainda defende isso, eu concordo consigo.» Vendo que não tinha objeção a que eu procurasse trabalho como jornalista, agradeci a D. António e despedi-me dizendo-lhe que, apesar de não saber quanto seria, ia ter um salário e por isso não cobraria nada na mi­nha atividade sacerdotal, o que ainda hoje acontece. Nunca ganhei como padre.

Como é que vieste parar ao JN? Não era mais lógico teres ido para o Comércio do Porto, onde colaboravas regularmente desde 1969?
Tinha uma grande amizade com o Germano Silva, que colabora­va com a Voz Portucalense. Ele sou­be que eu ia estar disponível, con­tou ao Freitas Cruz, subdiretor do JN, e este disse-lhe logo para me agarrar.

Foi fácil a transição da Voz Portu­calense para o Jornal de Notícias?
Cheguei ao JN num período ainda politicamente muito quen­te e instável, marcado por mudan­ças de administração, direção e propriedade da empresa. A apro­vação da minha entrada chegou a estar tremida no Conselho de Re­dação, pois havia colegas que des­confiavam da contratação de um padre. Mas não levou muito tem­po até eu ter um clima muito bom na redação e desenvolver uma car­reira que me levou até chefe de re­dação, o máximo que podia che­gar na hierarquia pois manti­ve-me fiel ao compromisso com D. António que me tinha pedido para recusar se alguma vez me convidassem para um cargo de di­reção, com medo de que isso fosse interpretado como uma ingerên­cia da Igreja ou clericalismo.

Boas recordações dos 28 anos co­mo jornalista profissional?
Excelentes. A minha primeira grande reportagem foi a cobertu­ra do conclave que elegeu o papa João Paulo II, com quem mais tar­de haveria de concelebrar missa na sua capela privada. Foram anos muito ativos – estive na direção sindical, no Conselho de Imprensa e no Conselho Deontológico – e de grande realização profissional. Ninguém me exigia tanta coerência de vida como os meus colegas jornalistas. Se a letra não dissesse com a careta, eles não me perdoa­riam. Fiz muitos e bons amigos, num ambiente sem invejas nem bai­xezas. Quando fui nomeado cónego, zelador do culto e da cultura da Sé, fiquei surpreendido porque era um outsider do sistema eclesiásti­co. Mas o que mais me surpreendeu foi a reação generosa dos meus camaradas de profissão que, apesar de não perceberem muito bem o que era isso de passar a fazer parte do cabido, ficaram genuinamen­te satisfeitos e disseram que estavam tão felizes pelo meu sucesso lá na minha outra carreira como se fosse um deles a ter sido escolhido.

Sentias-te mais padre ou mais jornalista?
É uma falsa questão. Foi sempre tudo muito pacífico. Vivi sempre em paz com as duas realidades. E tenho a certeza de que fosse ou não padre faria uma carreira de jornalista idêntica à que fiz.

Não é normal ter estreia como pároco aos 65 anos.
Não. Depois de me reformar do JN a 27 de outubro de 2005, fui fa­lar com o bispo, D. Armindo Lopes Coelho. Disse-lhe que ele podia aproveitar a minha disponibilidade. Mandou-me chamar e propôs-me que tomasse conta da paróquia da Foz do Douro. A princípio fi­quei reticente mas depois aceitei. Foi uma decisão acertada. Tem si­do muito interessante fazer parte da comunidade da Foz Velha. Per­tenço-lhes. Eu gosto deles e acho que eles também gostam de mim.

O que achas da abertura do sacerdócio às mulheres?
Por direito próprio, as mulheres merecem ter um papel mais fun­damental na Igreja do que o que lhes está reservado. Na sociedade já se impuseram. A Igreja ainda não acompanhou esse salto qua­litativo das sociedades modernas. Não me repugna que as mulheres sejam ordenadas, mas creio que ainda vai demorar muito tempo até que isso possa acontecer, se acontecer.

Em todo o mundo, os jornais e as empresas jornalísticas vivem em crise e sem perceberem muito bem o rumo que hão de tomar. Estás apreensivo quanto ao futuro?
Gostaria muito de dizer que não, mas a verdade é que estou muito preocupado com o aumen­to da precariedade do trabalho, a falta de investimento das empre­sas, a queda das vendas e das re­ceitas publicitárias, que são uma primeira consequência do triun­fo da revolução digital. Gostaria muito de ser profeta e augurar um futuro brilhante para os jor­nais em papel, mas creio que eles vão ser os principais prejudicados das mudanças em curso.

Apesar da crise, Portugal é um país muito melhor para viver do que quando foste ordenado, há meio século.
Absolutamente. Incomparavelmente melhor em todos os aspetos. Agora não temos de andar de cabeça baixa. Mas não podemos pen­sar só em nós e temos de criar redes de solidariedade para cuidar dos que vivem no limiar da pobreza ou mesmo abaixo desse limite. E te­mos de nos preocupar por não sermos uma democracia saudável que se refresca. Na minha comunidade, na Foz Velha, a população está muito envelhecida e há muitas bolsas de pobreza e solidão.

* Foi mantido o tratamento por «tu», habitual nas redações.

‘COM FRANCISCO NÃO HÁ TABUS’

Ao longo do meio século que levas como padre, tiveste quatro papas e seis bispos. Não queres fazer um curto comentário sobre cada um? Começando pelos bispos, D. Florentino?
Um homem tímido que viveu uma situação difícil, era bispo auxiliar de D. António quando ele foi condenado ao exílio e depois ficou como administrador apostólico da diocese, sem tomar a sério a defesa de D. António.
D. António?
Uma pessoa extraordiná­ria e o meu mestre. Deu o corpo ao manifesto em defesa da liberdade da Igreja face às ingerência políticas do salazarismo.
D. Júlio Tavares Rebimbas?
Um bispo interessante de coração na boca, como um vareiro.
D. Armindo Lopes Coelho?
Tinha muita estima por ele, foi meu professor de Teologia.
D. Manuel Clemente?
Um homem de grande projeção cultural e social que esteve como bispo do Porto a fazer um estágio para o regresso a Lisboa.
D. António Francisco?
Se me perguntarem se era o meu favorito, diria que não, mas tem-me surpreendido positivamente.
Paulo VI?
O grande papa, cuja influência e importância es­tão muito subvalorizadas.
João Paulo II?
Um pontificado longo, com muitos altos e baixos. Mais conservador do que renovador, ficará para a história como a pedra-chave para a queda do muro de Berlim.
Bento XVI?
Cobri como jornalista o conclave que o elegeu. Um grande teólogo e intelectual sem grandes qualidades pastorais para o lugar.
Francisco?
Trouxe à Igreja uma nova primavera, um estilo novo. Com ele não há tabus e tudo pode ser debatido. Tenho muita esperança nele, mas não me pergun­tes o que lhe vai acontecer porque não sou adivinho.

Por Jorge Fiel e fotografia de Adelino Meireles/Global Imagens publicado in Notícias Magazine

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