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Haikus de Susana Benet

Haikus de Susana Benet

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Que pequeno é
agora aquele quarto grande
da minha infância.

*

Não tem portas
nem tecto, contudo,
que bela casa.

*

Corre e pára
corre e pára o melro
enquanto o observo.

*

Brilha a lua
no rasto ressequido
do caracol.

*

Parou a chuva.
Que transparente o canto
dos pardais.

*

Rua arborizada.
Sinto correr a seiva
debaixo do asfalto.

*

Em casa, estranhos.
Hoje a porta chia
de outra maneira.

*

Firme no seu caule,
agarrada ao inverno,
uma folha seca.

*

No convento
florescem todas brancas
as buganvílias.

*

Quando cortei
o ramo da amendoeira
tremeu a minha mão.

*

Olha a menina
os nomes das lápides
sem compreender.

*

Passam os anos.
A planta do vizinho
já na minha janela.

*

Sempre vendo
algo atrás de mim,
a velha estátua.

*

Um menino brinca
a enterrar o pai.
Dia de praia.

*

Detrás da vitrina
o talhante tem
olhos de boi.

*

Quando estão mortas
parecem de papel
as buganvílias.

*

Luz apagada.
Imóveis os meninos
brincam aos mortos.

*

Não se conhecem.
Varrendo, o barbeiro
junta os cabelos.

*

Não está a casa,
só ficou em pé
a velha figueira.

*

Espio o pátio
alegre do colégio
sem encontrar-me.

*

A pleno sol
enxameiam de beijos
dos estudantes.

*

O revisor
com cara de assassino
mata o bilhete.

*

Como as folhas,
correr até à tua porta
para tocá-la.

*

Como se estreita
a sombra ao meio-dia.
Não caibo dentro.

*

Entre as grades
escapa do colégio
um ramo verde.

*

Pés exaustos.
Os olhos ainda caminham
sobre os prados.

*

À meia-luz
a calma das coisas
cobre os móveis.

*

Recém-chegado,
a viagem já começa
a ser recordação.

*

Um moscardo
vai e vem da figueira
ao excremento.

*

Fiquei com fome.
Pela janela, o guisado
da vizinha.

*

Não se vê o muro,
fizeram a sua parede
as buganvílias.

*

De onde vem
esse cheiro a laranjeira
e esta nostalgia?

*

A cada volta
do carrossel, meu pai
dizendo adeus.

*

Enquanto regresso,
sobre o caminho busco
as próprias pegadas.

*

Casa em ruinas,
cegada com tijolos
a antiga porta.

*

Hipnotizada
ante um cartaz que anuncia
cursos de hipnose.

*

Ao regressar,
de comboio a paisagem
já não é a mesma.

*

Loja de especiarias.
Levo sem pagar
todo o aroma.

*

Todo coberto
de cartazes, o muro
descascando-se.

*

Não vi o pássaro.
Apenas o estremecer
dos ramos.

*

Uma estrada
passa pela pequena horta
do reformado.

*

Hora do chã.
Tilintam as colheres
contra as chávenas.

*

Já não se veem
plantas na varanda.
Agora «arrenda-se».

*

Um telheiro.
Pintou-o de verde
a videira.

*

Carro sem rodas.
Ao redor florescem
as papoilas.

*

Ninguém me chama.
Ao longe toca um telefone.
Ninguém responde.

*

Um aguaceiro.
As flores da lavanda
cabeceando.

*

Mais do que a sua cara,
o que tem carácter
é a sua gravata.

*

Bar com esplanada.
Um passarinho voa
de mesa em mesa.

*

Passa um nuvem
e se apaga a sombra
do guarda-sol.

*

No lixo
uma jaula enferrujada
guarda silêncio.

*

A mesma rua
e, de repente, essa porta
pela primeira vez.

*

Altas estrelas.
Balançando a criança
vê as mais perto.

*

Acaba o dia.
A sós na casa
a mosca e eu.

*

De um lado ao outro
da rua, duas árvores
dão os ramos.

*

A mulher rica,
com um gesto de tédio,
compra sapatos.

*

Rosa num vaso,
ainda zumbem as abelhas
na minha memória.

*

No elevador.
Um casaco que cheira
a naftalina.

*

Flutuo na água.
Agora a tua memória
pesa menos.

*

Reto o cipreste
na encosta suave
de uma colina.

*

Depois da procissão
o cheiro das flores
pisadas.

*

Guarda-chuva grande.
Do menino só se veem
as botas vermelhas.

*

Torna-se fresca
de repente a brisa.
Regam a rua.

*

Arbusto em flor.
Só uma pétala branca:
a mariposa.

*

Praia deserta.
A mulher ao telemóvel
fala de amor.

*

Podam as árvores.
Parece que agora está
maior o céu.

*

Comboio em andamento:
No vidro a chuva
horizontal.

*

Dia de agosto:
Fora do frigorífico
sua o tomate.

*

Casa velha.
Agarrando-se ao muro
a hera seca.

*

Quarto de hotel.
A minha mala sobre a tua
apoia-se tímida.

*

Casa vazia.
O cheiro familiar
dos ausentes.

*

Dá quatro passos
e pára a esperar
o cão pelo dono.

*

Recolho o toldo.
Assim poderá o gerânio
sentir a chuva.

*

Junto ao meu pé
o cordão desatado
do teu sapato.

*

Engomo e dobro.
Quando toco os lençóis,
toco o teu corpo.

*

Parque infantil
Só a chuva desce
pelo escorrega.

*

Dizem as pedras:
Aprende a ser feliz,
mas em silêncio.

*

Chove e não chove.
Nas folhas com poeira
marcas de gotas.

*

Meu bairro antigo.
Tudo foi renovado,
exceto eu.

*

Perante o enfermo
consultam o relógio
os visitantes.

*

Escaparate.
A minha imagem refletida
entre os saldos.

*

Cheio de sol
inclina-se o eucalipto
sobre a sua sombra.

*

Entre as cordas
de estender, a camisa
crucificada.

*

Com quanto zelo
o vizinho antipático
cultiva flores.

*

Pelo terreno
se ouve passar a sombra
de um helicóptero.

*

Regando plantas,
por cima do jardim
cresce a lua.

*

Vento do sul.
Uma saca de plástico
muda de calçada.

*

Sussurra a água
debaixo do silêncio verde
das laranjeiras.

*

Em casa estranha,
o rosto familiar
de uma violeta.

*

O zangão
de um lado do vidro.
Do outro, o gato.

*

Todo aquele que entra
para admirar o meu jardim
sai com flores.

*

No enterro
despedindo-se da avó,
a grávida.

*

Casas humildes.
Que riqueza de flores
no jardim.

*

Sem o plantar
germinou no meu vaso,
o tomateiro.

*

Não passam comboios.
Crescem as ervas altas
entre os carris.

*

Como me acalma
as plantas da varanda,
a sua quietude verde.

*

Ouço entre sonhos,
perto e longe o canto
das andorinhas.

*

Com que fixidez
o gato olha
algo invisível.

*

Antes de o ver,
o cheiro do cavalo
por detrás do arbusto.

*

O bebé olha
assombrado a humilde
flor do gerânio.

*

A lua cheia!
Ao abrir a janela
entra um mosquito.

*

O pardal
debicando um chiclete
cheio de formigas.

*

Depois da tempestade
um monte de laranjas
no pé da árvore.

*

Apesar do salto,
o gato não logrou
apanhar a rola.

*

Repetem-no
o grilos esta noite,
mas não o entendo.

*

O vento agita
o reflexo de uma árvore
dentro da água.

*

Com que elegância
de um salto o gato velho
sobre à mesa.

*

Na penumbra,
acariciando a alba,
o primeiro trino.

*

Vão salpicando
sem ordem a planície,
as papoilas.

*

(A Francisco Brines)

Ocaso em Elca.
O céu da cor
das laranjas.

*

As nuvens brancas
cruzam-se com o voo
negro de um pássaro.

*

Lavo a roupa,
nas minhas mãos as manchas
que deixa o tempo.

*

Vem rodando
atrás de mim uma folha.
Já não estou sozinha.

*

Límpido, vibrante,
o assobio de um melro
depois da borrasca.

*

Foi sem querer
ou matei-o por querer?
Mosquito teimoso.

*

Do periquito
caem penas à água
que bebe o gato.

*

Tarde de abril
Através das pétalas
sangra a luz.

*

Terraço ao sol.
Tem o inverno rosto
de primavera.

*

Guarda a lã
a forma do teu corpo.
Velho casaco.

*

Campos nevados.
No meio se recorta
negra a azinheira.

*

Dias de outono.
Nuvens brancas que passam,
e nada mais.

*

É mais intenso
o aroma do lírio
que murcha.

*

Fora do templo,
os cálices dourados
dos hibiscos.

*

Vento do sul.
Na fonte o zumbido
das vespas.

*

Chega do fundo
escuro do barranco
a voz da água.

*

Ninguém discute
se a vizinha canta.
Pátio interior.

*

Intermitentes
brilham as estrelas,
cantam os grilos.

*

Pela fenda
o fio da lua
corta as sombras.

*

Este é o pão
que oferece a manhã.
Migas de luz.

*

Ainda que se incline,
o álamo amarelo
aponta ao céu.

*

Ninguém cuida dela
e continua a florescer
a videira.

*

Com o calor,
que incomodo o bater
do sucateiro.

*

Começos de maio.
Nos ramos da acácia,
pérolas de sol.

*

Noite de insónia.
Por trás da parede o riso
dos amantes.

*

Casa em ruinas.
Um carro de alta gama
em frente à porta.

*

Escuto o antigo
chiar da porta.
… E tu não entras.

*

Decoraram
com plantas a loja.
Ninguém as olha.

*

Margens secas
e o fulgor repentino
dos aloendros.

*

Com brilho de água
salpicando em redor,
vidros partidos.

*

O sol poente
pendurado numa haste.
Última luz.

*

Enquanto as rego
cabeceiam as folhas,
agradecidas.

*

Cai a tarde:
nenhuma árvore em pé
para a suster.

*

Na berma da estrada,
um monte de sucata
reflete o sol.

*

Ao recolher
a camélia do chão,
ela desfez-se.

*

Em cada ramo:
limões amarelos
limões verdes.

*

Termina o ano.
Crepita o tempo enterrado
na folhagem.

*

Largo caminho.
Que duros os meus sapatos
de estudante.

*

Por mais que o olhe
não me devolve o gato
esse olhar.

*

Vence-me o sono.
A meu lado o relógio
nunca descansa.

*

Agora me olham
como a gente grande
que eu olhava.

*

(A José Luis Parra)

De bar em bar
aquela vida nossa.
De verso em verso.

*

Finalmente, a chuva!
Do seu torpor sai
mais verde a árvore.

*

De madrugada,
lentamente a chuva
entra no meu sonho.

tradução de PML do livro La enredadera [Haikus reunidos], Renacimento, maio 2024

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