Que pequeno é
agora aquele quarto grande
da minha infância.
*
Não tem portas
nem tecto, contudo,
que bela casa.
*
Corre e pára
corre e pára o melro
enquanto o observo.
*
Brilha a lua
no rasto ressequido
do caracol.
*
Parou a chuva.
Que transparente o canto
dos pardais.
*
Rua arborizada.
Sinto correr a seiva
debaixo do asfalto.
*
Em casa, estranhos.
Hoje a porta chia
de outra maneira.
*
Firme no seu caule,
agarrada ao inverno,
uma folha seca.
*
No convento
florescem todas brancas
as buganvílias.
*
Quando cortei
o ramo da amendoeira
tremeu a minha mão.
*
Olha a menina
os nomes das lápides
sem compreender.
*
Passam os anos.
A planta do vizinho
já na minha janela.
*
Sempre vendo
algo atrás de mim,
a velha estátua.
*
Um menino brinca
a enterrar o pai.
Dia de praia.
*
Detrás da vitrina
o talhante tem
olhos de boi.
*
Quando estão mortas
parecem de papel
as buganvílias.
*
Luz apagada.
Imóveis os meninos
brincam aos mortos.
*
Não se conhecem.
Varrendo, o barbeiro
junta os cabelos.
*
Não está a casa,
só ficou em pé
a velha figueira.
*
Espio o pátio
alegre do colégio
sem encontrar-me.
*
A pleno sol
enxameiam de beijos
dos estudantes.
*
O revisor
com cara de assassino
mata o bilhete.
*
Como as folhas,
correr até à tua porta
para tocá-la.
*
Como se estreita
a sombra ao meio-dia.
Não caibo dentro.
*
Entre as grades
escapa do colégio
um ramo verde.
*
Pés exaustos.
Os olhos ainda caminham
sobre os prados.
*
À meia-luz
a calma das coisas
cobre os móveis.
*
Recém-chegado,
a viagem já começa
a ser recordação.
*
Um moscardo
vai e vem da figueira
ao excremento.
*
Fiquei com fome.
Pela janela, o guisado
da vizinha.
*
Não se vê o muro,
fizeram a sua parede
as buganvílias.
*
De onde vem
esse cheiro a laranjeira
e esta nostalgia?
*
A cada volta
do carrossel, meu pai
dizendo adeus.
*
Enquanto regresso,
sobre o caminho busco
as próprias pegadas.
*
Casa em ruinas,
cegada com tijolos
a antiga porta.
*
Hipnotizada
ante um cartaz que anuncia
cursos de hipnose.
*
Ao regressar,
de comboio a paisagem
já não é a mesma.
*
Loja de especiarias.
Levo sem pagar
todo o aroma.
*
Todo coberto
de cartazes, o muro
descascando-se.
*
Não vi o pássaro.
Apenas o estremecer
dos ramos.
*
Uma estrada
passa pela pequena horta
do reformado.
*
Hora do chã.
Tilintam as colheres
contra as chávenas.
*
Já não se veem
plantas na varanda.
Agora «arrenda-se».
*
Um telheiro.
Pintou-o de verde
a videira.
*
Carro sem rodas.
Ao redor florescem
as papoilas.
*
Ninguém me chama.
Ao longe toca um telefone.
Ninguém responde.
*
Um aguaceiro.
As flores da lavanda
cabeceando.
*
Mais do que a sua cara,
o que tem carácter
é a sua gravata.
*
Bar com esplanada.
Um passarinho voa
de mesa em mesa.
*
Passa um nuvem
e se apaga a sombra
do guarda-sol.
*
No lixo
uma jaula enferrujada
guarda silêncio.
*
A mesma rua
e, de repente, essa porta
pela primeira vez.
*
Altas estrelas.
Balançando a criança
vê as mais perto.
*
Acaba o dia.
A sós na casa
a mosca e eu.
*
De um lado ao outro
da rua, duas árvores
dão os ramos.
*
A mulher rica,
com um gesto de tédio,
compra sapatos.
*
Rosa num vaso,
ainda zumbem as abelhas
na minha memória.
*
No elevador.
Um casaco que cheira
a naftalina.
*
Flutuo na água.
Agora a tua memória
pesa menos.
*
Reto o cipreste
na encosta suave
de uma colina.
*
Depois da procissão
o cheiro das flores
pisadas.
*
Guarda-chuva grande.
Do menino só se veem
as botas vermelhas.
*
Torna-se fresca
de repente a brisa.
Regam a rua.
*
Arbusto em flor.
Só uma pétala branca:
a mariposa.
*
Praia deserta.
A mulher ao telemóvel
fala de amor.
*
Podam as árvores.
Parece que agora está
maior o céu.
*
Comboio em andamento:
No vidro a chuva
horizontal.
*
Dia de agosto:
Fora do frigorífico
sua o tomate.
*
Casa velha.
Agarrando-se ao muro
a hera seca.
*
Quarto de hotel.
A minha mala sobre a tua
apoia-se tímida.
*
Casa vazia.
O cheiro familiar
dos ausentes.
*
Dá quatro passos
e pára a esperar
o cão pelo dono.
*
Recolho o toldo.
Assim poderá o gerânio
sentir a chuva.
*
Junto ao meu pé
o cordão desatado
do teu sapato.
*
Engomo e dobro.
Quando toco os lençóis,
toco o teu corpo.
*
Parque infantil
Só a chuva desce
pelo escorrega.
*
Dizem as pedras:
Aprende a ser feliz,
mas em silêncio.
*
Chove e não chove.
Nas folhas com poeira
marcas de gotas.
*
Meu bairro antigo.
Tudo foi renovado,
exceto eu.
*
Perante o enfermo
consultam o relógio
os visitantes.
*
Escaparate.
A minha imagem refletida
entre os saldos.
*
Cheio de sol
inclina-se o eucalipto
sobre a sua sombra.
*
Entre as cordas
de estender, a camisa
crucificada.
*
Com quanto zelo
o vizinho antipático
cultiva flores.
*
Pelo terreno
se ouve passar a sombra
de um helicóptero.
*
Regando plantas,
por cima do jardim
cresce a lua.
*
Vento do sul.
Uma saca de plástico
muda de calçada.
*
Sussurra a água
debaixo do silêncio verde
das laranjeiras.
*
Em casa estranha,
o rosto familiar
de uma violeta.
*
O zangão
de um lado do vidro.
Do outro, o gato.
*
Todo aquele que entra
para admirar o meu jardim
sai com flores.
*
No enterro
despedindo-se da avó,
a grávida.
*
Casas humildes.
Que riqueza de flores
no jardim.
*
Sem o plantar
germinou no meu vaso,
o tomateiro.
*
Não passam comboios.
Crescem as ervas altas
entre os carris.
*
Como me acalma
as plantas da varanda,
a sua quietude verde.
*
Ouço entre sonhos,
perto e longe o canto
das andorinhas.
*
Com que fixidez
o gato olha
algo invisível.
*
Antes de o ver,
o cheiro do cavalo
por detrás do arbusto.
*
O bebé olha
assombrado a humilde
flor do gerânio.
*
A lua cheia!
Ao abrir a janela
entra um mosquito.
*
O pardal
debicando um chiclete
cheio de formigas.
*
Depois da tempestade
um monte de laranjas
no pé da árvore.
*
Apesar do salto,
o gato não logrou
apanhar a rola.
*
Repetem-no
o grilos esta noite,
mas não o entendo.
*
O vento agita
o reflexo de uma árvore
dentro da água.
*
Com que elegância
de um salto o gato velho
sobre à mesa.
*
Na penumbra,
acariciando a alba,
o primeiro trino.
*
Vão salpicando
sem ordem a planície,
as papoilas.
*
(A Francisco Brines)
Ocaso em Elca.
O céu da cor
das laranjas.
*
As nuvens brancas
cruzam-se com o voo
negro de um pássaro.
*
Lavo a roupa,
nas minhas mãos as manchas
que deixa o tempo.
*
Vem rodando
atrás de mim uma folha.
Já não estou sozinha.
*
Límpido, vibrante,
o assobio de um melro
depois da borrasca.
*
Foi sem querer
ou matei-o por querer?
Mosquito teimoso.
*
Do periquito
caem penas à água
que bebe o gato.
*
Tarde de abril
Através das pétalas
sangra a luz.
*
Terraço ao sol.
Tem o inverno rosto
de primavera.
*
Guarda a lã
a forma do teu corpo.
Velho casaco.
*
Campos nevados.
No meio se recorta
negra a azinheira.
*
Dias de outono.
Nuvens brancas que passam,
e nada mais.
*
É mais intenso
o aroma do lírio
que murcha.
*
Fora do templo,
os cálices dourados
dos hibiscos.
*
Vento do sul.
Na fonte o zumbido
das vespas.
*
Chega do fundo
escuro do barranco
a voz da água.
*
Ninguém discute
se a vizinha canta.
Pátio interior.
*
Intermitentes
brilham as estrelas,
cantam os grilos.
*
Pela fenda
o fio da lua
corta as sombras.
*
Este é o pão
que oferece a manhã.
Migas de luz.
*
Ainda que se incline,
o álamo amarelo
aponta ao céu.
*
Ninguém cuida dela
e continua a florescer
a videira.
*
Com o calor,
que incomodo o bater
do sucateiro.
*
Começos de maio.
Nos ramos da acácia,
pérolas de sol.
*
Noite de insónia.
Por trás da parede o riso
dos amantes.
*
Casa em ruinas.
Um carro de alta gama
em frente à porta.
*
Escuto o antigo
chiar da porta.
… E tu não entras.
*
Decoraram
com plantas a loja.
Ninguém as olha.
*
Margens secas
e o fulgor repentino
dos aloendros.
*
Com brilho de água
salpicando em redor,
vidros partidos.
*
O sol poente
pendurado numa haste.
Última luz.
*
Enquanto as rego
cabeceiam as folhas,
agradecidas.
*
Cai a tarde:
nenhuma árvore em pé
para a suster.
*
Na berma da estrada,
um monte de sucata
reflete o sol.
*
Ao recolher
a camélia do chão,
ela desfez-se.
*
Em cada ramo:
limões amarelos
limões verdes.
*
Termina o ano.
Crepita o tempo enterrado
na folhagem.
*
Largo caminho.
Que duros os meus sapatos
de estudante.
*
Por mais que o olhe
não me devolve o gato
esse olhar.
*
Vence-me o sono.
A meu lado o relógio
nunca descansa.
*
Agora me olham
como a gente grande
que eu olhava.
*
(A José Luis Parra)
De bar em bar
aquela vida nossa.
De verso em verso.
*
Finalmente, a chuva!
Do seu torpor sai
mais verde a árvore.
*
De madrugada,
lentamente a chuva
entra no meu sonho.
tradução de PML do livro La enredadera [Haikus reunidos], Renacimento, maio 2024