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Hugo Veiga é o melhor ‘copywriter’ do mundo

Hugo Veiga é o melhor ‘copywriter’ do mundo

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AOS 33 anos, Hugo Veiga é o melhor ‘copywriter’ do mundo. Soma mais de 150 distinções, entre elas o grande prémio de titânio do Festival de Cannes. Um caso sério de criatividade portuguesa… fora do país. Criatividade: substantivo feminino, capacidade de criar, de inventar, capacidade de quem tem ideias originais de quem é criativo. Hugo Veiga discorda. Para o publicitário, “a criatividade é a reinvenção de algo” e poucos terão a mesma autoridade para contrariar a definição proposta pelo Priberam. Afinal, aos 33 anos, Veiga acumula prémios, prepara-se para liderar a equipa da agência de inovação AKQA a assentar em São Paulo e carrega consigo o título de melhor ‘copywriter’ do Mundo. Porquê? Foi sua a ideia de ‘Real Beauty Sketches’, campanha publicitária que concebeu para a Dove, que já foi vista 170 milhões de vezes no YouTube e lhe valeu o Santo Graal da publicidade. Uma ideia absolutamente original? Garante que não. “O ponto de partida foi uma verdade universal. A mulher é super crítica com a sua imagem”, explica o vencedor do grande prémio de titânio do último Festival de Cannes, o prémio que nunca outro português tinha ganho e que todos os publicitário no mundo anseiam.

O prémio que faz dele o Cristiano Ronaldo da publicidade? Outra vez, não. Hugo Veiga vê-se “mais como um Isaías”, médio que no Benfica na década de 90 se fez famoso pelo violento pontapé, mais vezes apontado à bancada que ao fundo das redes adversárias. “Não acho que tenha um talento inato. O que admirava no Isaías é que rematava muito, muitas vezes não acertava, mas não tinha medo de errar”, lembra Hugo Veiga sem esquecer a ressalva: o clube de coração é o Porto. “Ele tinha raça e acho que trouxe essas capacidades para a minha vida. Se trabalhares muito, se chutares à baliza como o Isaías, vais acabar por conseguir golaços”. Isaías conseguiu-o, foram dele dois dos seis golos com que o Benfica conseguiu a sua maior vitória sobre o Sporting, o célebre 6-3, e no currículo de Hugo Veiga também não faltam lances capazes de levantar plateias. “O Dove Sketches ganhou o grande prémio de titânio porque envolvia uma experiência social, conceito que outras marcas pegaram depois”, explica. “Foi o melhor projecto que fiz, não pelos prémios, mas pelos comentários que apareciam no YouTube, mulheres de todo o Mundo a contarem as suas histórias e a assumirem como o vídeo as tinha tocado.”

Ronaldo tem duas bolas de ouro, Veiga não vive obcecado em repetir o feito conseguido no final do ano passado quando foi considerado o melhor ‘copywriter’ do planeta. Agora, diz, não pensa fazer melhor, “o objectivo é fazer diferente”, mesmo que não valha a mesma quantidade de prémios. E aproveitou o Mundial no Brasil para o mostrar. Desta vez, o desafio chegava da Visa e o desfecho não envolveu desenhadores forenses ou mulheres com fraca auto-estima. Se eram 32 os países participantes, se o título era mundial, o melhor seria distribuir as mesmas ferramentas a uma equipa por país – um realizador e um músico – e pedir uma representação de como se vive o futebol localmente. “Não sabia o que vinha de lá, não acompanhámos as gravações e o investimento só era grande no total, não era muito para cada. Não podíamos cobrar uma qualidade que não estávamos a pagar”.

Se Hugo Veiga estava ansioso pelo resultado, mais nervosos estavam os homens da Visa. “Acreditaram em nós, mas confessaram que quando estavam à espera tiveram dúvidas. Um director disse-lhes, ‘calma que eles fizeram o ‘Dove Sketches'”. E com a campanha para a Visa chegou mais uma lição. O valor entregue a cada realizador – 25 mil dólares – estava longe de ser o maior atractivo, mas nem assim faltaram interessados em participar. “Sabíamos que a motivação não era o dinheiro. A maior parte das pessoas, músicos ou realizadores só procura uma oportunidade, não dinheiro”, justifica.

Sem data para regressar

A história de Hugo Veiga tinha tudo para ser só mais uma. Natural do Porto, licenciado em Lisboa, emigrante desde os primeiros tempos de carreira e com vontade de “trazer o conhecimento para Portugal”. Entrou na McCann Erickson depois de ganhar um concurso nacional em 2001. Um ano depois já tentava a sua sorte em Londres. “Estava no início da carreira, não tinha trabalho que justificasse a contratação”. Não desistiu e em 2005 lançou-se a um concurso que acabaria por lhe valer um estágio na Ogilvy de São Paulo. Parte do sonho ficava cumprida mas, passados nove anos, a vontade de voltar foi suspensa. “Amo Portugal, adorava viver aqui que há uma qualidade de vida enorme, mas o trabalho que vejo por cá não me faria feliz. Vejo conservadorismo nas marcas e, sobretudo com a crise, muitas das produções são importadas”, diz sem ver como possível um regresso nos próximos cinco anos. E, mesmo nessa altura, não será difícil antever dificuldades na hora de decidir o regresso. Depois da vitória em Cannes, Veiga foi contratado pela AKQA e com um desafio especial – ser director criativo do escritório em São Paulo, mas só depois de conhecer os escritórios da agência espalhados pelo mundo. “Para absorver a cultura e o ADN da empresa. Vamos funcionar como um ‘hub’ criativo. Em São Paulo para aproveitar a riqueza criativa local, mas a criar para Tóquio ou Berlim”. Uma aventura em que embarca com Diego Machado, que tem feito dupla criativa com Hugo nos projectos dos últimos anos.

“Não faço planos a longo prazo. Foco-me no que tenho em mãos. Sei que se fizer o melhor que posso no presente terei um futuro melhor”. E foi com esta descontração que chegou ao competitivo universo da publicidade. A criatividade começou a revelar-se em pequeno quando, com o irmão mais velho, assumia a criação das brincadeiras e a revelar queda para a escrita e o desenho. Depois, veio a decisão de ser artista, mas a ideia de que esses viviam da arte vendida nas ruas não lhe sugeria uma vida confortável. Procurou refúgio na publicidade e marketing. A escolha da faculdade? “Na altura havia dois cursos e um era numa privada chamado engenharia publicitária. Mas eu ia ser engenheiro?”, conta, lembrando o momento em que rumou à Escola Superior de Comunicação Social em Lisboa. Nessa altura ,começou a dar nas vistas e a coleccionar prémios, Pintos de Ouro. “A ESCS premeia os trabalhos mais criativos do ano com o troféu Pinto de Ouro, em homenagem ao fundador, o dr. António Pinto Leite. Mas Pinto, no Brasil, é um dos inúmeros nomes atribuídos a pénis. Imaginem o que Pintos de Ouro não rendeu em histórias”, conta.

Gostaria de “fazer algo por Portugal”, mas aponta aos portugueses como o alvo principal de uma campanha para promover o país. “Mais importante que promover o país no estrangeiro era promovê-lo para os portugueses, combater a falta de auto-estima, mostrar o muito talento que temos e fazer com que acreditem”, vaticina. Para já prepara a abertura do escritório em São Paulo e quando chega a hora dos tempos livres refugia-se nas séries – ‘Walking Dead’, ‘House of Cards’ ou ‘Game of Thrones’, no topo das preferências – ou, nos momentos de maior tranquilidade, na guitarra. Ainda assim, é mesmo com trabalho que acaba por matar o ócio. “Pode não fazer muito sentido, mas como forma de descansar de um projecto muitas vezes dou comigo a pensar noutro”, confessa. Talvez por isso, compare a arte de ter ideias originais com o trabalho de um atleta de alta competição.

“Praticas diariamente e isso permite-te criar algo facilmente. Um criativo conseguirá sempre criar algo, mas se te exiges algo inovador e que inspire as pessoas …” E quando a ideia não aparece, o que não pode faltar? Café e confiança. “Se estiveres confiante que vais ter uma ideia boa ela acaba por aparecer. É preciso não desesperar”, recomenda. Nos relvados, Isaías nunca deixou de insistir nos remates à baliza e mesmo nos dias maus raramente fechava um jogo sem animar as bancadas. Cristiano Ronaldo é conhecido pelo perfeccionismo, pela aplicação nos treinos e pelo remate certeiro. Hugo Veiga joga de São Paulo e prepara-se para distribuir jogo pelo mundo fora. O galardão, não de ouro mas de titânio, já está em casa. Desempate por títulos? Além dos 29 Leões de Cannes, tem mais de 140 distinções internacionais no currículo. Nem Ronaldo faria melhor.

Por Filipe Garcia publicado in Jornal Económico

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