A casa
fita o caminho público
e o mar
com a lógica de quatro janelas,
rindo-se estereotipadamente
com uma ampla varanda
cor-de-laranja.
Nessa varanda
nesse sorriso
às tardes, a minha mãe
expõe o rosto
ilegível.
O tempo o compôs
sem impulsos
noite após noite
numa língua que escorre dor,
enchendo
páginas de usura.
E nem sequer o erro dum riso.
Senta-se
na pontinha da cadeira
para não pesar na tarde
com todo o peso do seu coração adoentado,
apenas para existir
parada no meio da vida
por uma suspensão do destino,
apenas para poder aguentar agora
o espasmo do seu espanto:
«Existem mares
e barcos nervosos
que empurram soluções
para aquilo que não tem obstáculos?
E ventos que desenraizam aquilo que estagna?
E aquilo que é compreensível onde bebe cores
a tarde alcoólica,
existe?» Não sabe.
Não o soube a sua vida.
Agora
ousa um movimento estranho:
lança o corpo um pouco em frente,
torna a encostá-lo para trás,
dá fortes remadas da memória,
vidro vidro as suas lágrimas.
Pouco a pouco
tarde, rosto e varanda
são minados pelo crepúsculo.
A sua forma enlouquece.
Fecham-se num espaço tumular
para não voltarem a entrar-nos no olhar.
Anoitece.
in A Grécia de que falas…, Antologia de poetas gregos modernos, tradução de Manuel Resende, Língua Morta, fevereiro de 2021, página 174