Chegou ao hotel há umas horas.
Deixou os sacos a um canto
e deu uma volta pela cidade.
Agora está sentada na cama,
quase nua,
e segura nas mãos
uma carta que não consegue reler.
Depois há-de deitar-se
e sem apagar a luz
há-de olhar para o tecto, pensando
nela, nele, que é uma pena
não ter sido Giovanna Tornabuoni
e ter esse mesmo rosto,
que basta ver para enamorar-se,
que tinha em 1488
quando Ghirlandaio a pintou;
bastaria um olhar doce,
dirigido aos olhos e depois aos lábios,
e tudo arranjado, sem necessidade
de cartas de despedida nem fugas
nem esta vontade imensa que a invade
de não voltar nunca a amar,
de nunca mais escrever uma carta,
de abandonar tudo neste quarto.
Há-de em seguida suspirar, há-de esboçar um ténue sorriso
mas não ficará melhor. Com esse rosto
que sempre tem a tristeza,
o mesmo da ruiva de blusa branca
que Toulouse-Lautrec imaginou,
há-de apagar a luz sem conseguir dormir.
Em vão há-de tratar
de vencer os seus fantasmas com fantasmas.
in Poesia Espanhola de Agora, vol. II, tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Relógio d’Água, janeiro 1997, página 985