MESMO após Lula da Silva ver confirmada sua condenação em segunda instância, o ex-presidente pode ainda escolher entre dois caminhos: permanecer na corrida presidencial como tem anunciado, com previsível desgaste progressivo do seu capital político, face ao acúmulo de processos judiciais dirigidos à sua atuação passada; ou alterar radicalmente sua estratégia, transferindo esse capital político a outra candidatura. Nesta última opção, o apoio à candidatura de Marina Silva seria uma possibilidade de construir uma alternativa capaz de enfrentar as forças neoliberais e conservadoras instaladas em Brasília.
Se existe algo sobre o qual os brasileiros concordam no atual contexto político altamente polarizado, é na habilidade política de Lula para unir interesses aparentemente irreconciliáveis. Desde o seu primeiro mandato presidencial, foi esta capacidade de estabelecer consensos que permitiu obter apoio parlamentar a programas de redistribuição de renda e reformas trabalhistas, que resultaram na saída de muitos milhões de brasileiros da situação de pobreza extrema. Mas foram também os arranjos feitos para alcançar estas metas que fragilizaram essas conquistas no longo prazo, limitando a intervenção do governo em áreas críticas cronicamente afastadas da agenda política quando estas interferem potencialmente com interesses económicos historicamente dominados pelos poderosos lobbies do agronegócio, energia e mineração, fortemente ligados aos setores financeiros e da construção.
A cedência progressiva a estes lobbies construiu a armadilha onde Lula se deixou enredar, e os processos de que é agora condenado são também um reflexo da sua participação nesse jogo de interesses. Ao longo de todo o período de crescimento económico extraordinário que se estendeu até 2012, os compromissos estabelecidos entre políticas de cunho social e o chamado capitalismo de estado, esteve sempre suportado por este tripé de influência, já analisados nesta coluna. A cooptação do governo por estes lobbies foi o principal motivo da saída de Marina Silva de Ministra do Ambiente, e seu posterior abandono do PT após três décadas de militância inspirada por líderes como Chico Mendes. Na sua progressiva perda de espaço interno no partido, Marina não traíu os ideais sobre os quais cresceu politicamente. O divórcio que ocorreu deve-se antes à desconsideração de pautas socioambientais pelas quais lutou ativamente nos governos em que participou, e que urgem mais do que nunca, ocupar o centro do debate político.
A introdução destas pautas só poderá ser feita sem medo de contestar as políticas erráticas que tem sido reproduzidas, em temas tão diversos como energia, recursos naturais e direitos humanos, entre outros problemas críticos que põe em causa a sobrevivência humana no planeta. No Brasil, estes problemas têm sido agravados ao longo das últimas décadas, desde a ditadura militar até aos mais recentes governos democráticos, nas quais são responsáveis todos os partidos de maior representatividade nacional. De todos os presidenciáveis que até agora se apresentaram, Marina Silva é a única candidata que tem questionado ao longo dos anos a concentração do investimento público na exploração de recursos fósseis do Pré-Sal, a construção da hidroelétrica de Belo Monte no Rio Xingu e a transposição do Rio São Francisco, para citar apenas alguns exemplos flagrantes de projetos cooptados por interesses corporativos com impactos ambientais e sociais desastrosos, que continuam a ser ignorados pela esmagadora maioria dos parlamentares e partidos políticos.
Se existe uma lição a aprender da história recente do Brasil, é que os meios destrutivos de exploração de recursos naturais, com a sistemática violação de direitos humanos, perdas irremediáveis de biodiversidade e desmatamento criminoso, não justificam os fins unificadores de crescimento económico e emancipação social. É hoje evidente que na raiz dos escândalos de corrupção que tem sido explorados ad nauseum pelos media, está um modelo obsoleto de desenvolvimento insustentável pelo qual tantos populações indígenas, ribeirinhas, quilombolas e outras comunidades animais e vegetais têm sido sistematicamente desprezadas e exterminadas. Neste jogo auto-destrutivo em que todos acabam corrompidos, é crucial que velhas e novas lideranças abram mão de táticas defensivas sem sentido histórico, unindo-se em torno de uma nova forma de fazer política, pautada pelo respeito pelas diversas identidades, culturas e formas de vida que coabitam em tão diferentes silvas e selvas.
Texto de José Barbedo e ilustração de Dacosta
nesta última pesquisa do data folha A Marina é a maior herdeira dos eleitores de LULA +ou- 25%
Fiel e inspirado retrato da sociedade brasileira actual – todos os pontos apresentados são pertinentes, e as vias apresentadas mais do que urgentes.
Obrigado pelo excelente artigo – parabéns, a continuar!