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Sumimasen!

Sumimasen!

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MINHA esposa é japonesa. E, quando faço essa afirmação, refiro-me ao fato de que ela, nascida e criada no Japão, pertence a uma família sem laços culturais com o Ocidente; pois, há gerações, jamais emigrou do arquipélago (diferentemente, por exemplo, dos chamados “japoneses” do continente americano, que, na verdade, não são considerados como tais pelos que permaneceram no Japão).

Achei necessária essa explicação inicial para dizer que, desde 2005 ― quando nos casamos e escolhemos o Japão para residir ―, tenho convivido com uma família, digamos, completamente japonesa: para quem a palavra “sumimasen” (um pedido de desculpas formal) é essencial nas relações humanas, independente de estarmos certos ou errados em uma determinada situação. Uma visão, pois, muito distinta daquela a que nós, ocidentais, estamos acostumados: a de justificar o erro, sem ter de desculpar-se.

Sim, sou brasileiro e, pelo menos até que surja um motivo de força maior, não tenho o desejo de abdicar de minha nacionalidade. Porém, mesmo com o orgulho de minha brasilidade, confesso que sempre me incomodou uma característica de meus compatriotas: a de perder mais tempo “tentando produzir desculpas” do que realmente “pedindo desculpas”.

Como exemplo, permitam-me relatar uma das muitas situações tragicômicas que enfrentei ao ter de lidar com o Brasil: há alguns anos, após várias tentativas para receber o dinheiro referente a uma premiação, o responsável pelo pagamento enfim me respondeu dizendo que “estava ocupado, pois teve de viajar etc etc etc”. Não obstante, terminada sua longa mensagem, não pediu desculpas, não resolveu o problema e ― pasmem! ― ainda se sentiu ofendido com a cobrança!

Agora, um exemplo japonês de atitude oposta: certa vez, um colega não levou a quantia necessária para pagar sua parte em um evento organizado pela turma da faculdade. No outro dia, além de pagar o que devia, ainda levou uma lembrancinha ― uma garrafa de vinho ― a quem lhe emprestara o dinheiro. E isso tudo enquanto curvava-se em reverência (o denominado “ojigi”) e dizia várias vezes “sumimasen” a seu interlocutor. Quanto ao vinho? Foi mais uma forma de desculpar-se pelo incômodo causado.

Não quero aqui dizer com os exemplos supracitados que uma cultura é superior à outra. Afinal, quando o assunto são costumes, não há superioridades: apenas diferenças. Mas, hoje, confesso, admiro tanto o hábito japonês de pedir desculpas que chego a irritar-me com os “fabricantes de justificativas”, tão ao gosto ocidental.

E, desde já, se feri, através deste texto, as convicções de meus prezados leitores no Ocidente… Sumimasen! ― Curvando-me, envergonhado, pelo mal que vos causei.

SOBRE O AUTOR: EDWEINE LOUREIRO nasceu em Manaus (Amazonas-Brasil) em 20 de setembro de 1975. É advogado e professor de idiomas, residindo no Japão desde 2001. Premiado em concursos literários no Brasil e em Portugal, é autor dos livros “Sonhador Sim Senhor!” (2000), “Clandestinos” (2011), “Em Curto Espaço” (2012), “No mínimo, o Infinito” (2013) e “Filho da Floresta (2015), os dois últimos vencedores, respectivamente, dos Prêmios Orígenes Lessa e Vicente de Carvalho da União Brasileira de Escritores – RJ (UBE-RJ), em 2016. E, em setembro de 2017, seu livro, ainda inédito, “Crônicas de um Japão Caboclo” obteve, também pela UBE-RJ, o Prêmio Alejandro Cabassa. Foi também um dos autores premiados no Concurso de Poesia Agostinho Gomes, em Portugal, em 2017. Página para contato: https://www.facebook.com/edweine.loureiro

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2 COMENTÁRIOS

  1. Infelizmente amigo, tenho que concordar com você. Tenho amizades com outros brasileiros que moram no Japão e sempre me atentei para vossa cultura. Me conforta de certa forma saber que ainda há pessoas humanas, comprometidas com a verdade, embora essa porção de embusteiro(pessoa que engana), pareça se alastrar enquanto os mesmos se dizem indignados com a situação do País. Assim sendo, eu lhe digo Sumimasen! porque me envergonho, não do meu país, ele é vítima, mas dessa porção citada acima. abraços poéticos!

  2. Obrigado, querida Nilde, pela carinhosa leitura e pelo maravilhoso comentário. Sim, acho que primeiramente o importante é estarmos abertos para o aprendizado. Eu também tinha costumes arraigados, mas ao passar a conviver com uma cultura que não é a minha, tive de adaptar-me. E fico feliz que tenha sido forçado a essa transformação; pois aprendi e tenho aprendido muito com a cultura japonesa. Abraços e obrigado, novamente, pelo comentário.

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