Uma ocasião a polícia andou aos tiros comigo.
A história tem o seu interesse. Vou contar-ta:
caçaram-nos num automóvel roubado
cercaram-nos
mandaram-nos sair do chaço
e apoiar as mãos na parte de trás
da mala para
nos revistarem
algemarem
levarem-nos à esquadra.
Era sexta. No sábado
tinha pensado estrear roupa para ir todo
espampanante
à discoteca
a pavonear-me com as fedelhas.
Não pensei duas vezes dei a volta deitei a correr.
A esquina da salvação estava perto.
Um dos chuis disse gritou:
PÁRA, FILHO DA PUTA, OU MATO-TE!
Disparou
disparou a 5 metros de distância
e falhou
escapei
estreei a minha roupa nova
pavoneei-me.
Mas o importante desta história
é o que eu sempre digo:
havia de ter acertado
havia de me ter matado nesse instante
quando não tinha medo da morte
quando ainda era
feliz.
in in Poesia Espanhola anos 90, tradução de Joaquim Manuel Magalhães, Relógio d’Água, novembro 2000