“REAWAKENING” significa no dicionário Collins, a renovação de um interesse ou sentimento. Este foi o termo usado por Donald Trump no seu primeiro discurso na sede das Nações Unidas, apelando à supremacia dos interesses nacionais e ao sentimento patriótico, nas suas palavras, “the great reawakening of nations”. A crua simplicidade deste apelo ignora o dilema entre a evidência de riscos que não reconhecem fronteiras nacionais (como por exemplo as mudanças climáticas ou as ameaças decorrentes da indústria nuclear), e a persistência de um modelo geopolítico que impede o enfrentamento efectivo destas ameaças à escala global.
É interessante observar que a solução apontada por Trump face aos enormes problemas que ameaçam a sobrevivência da espécie humana é precisamente um retorno aos velhos princípios de soberania dos Estados, onde acções bélicas são legitimadas enquanto meios policiais necessários para assegurar a ordem mundial. Isto serve para explicar o estado de guerra na qual permanecemos durante muitos séculos até aos nossos dias, referida no artigo anterior Portas no céu Isabel na terra. Uma guerra que não se resume aos episódios trágicos que tem marcado a história humana, e muito menos às “cruzadas contra os infiéis” do nosso tempo. Trata-se antes de um embate contra a nossa própria natureza, um conflito intrínseco à ilusão de interesses isolados que só poderá resultar na nossa própria destruição.
Esta guerra que rapidamente destrói nossos suportes de vida, é afinal um conflito entre uma ideia de interesse próprio, seja no plano individual, local ou nacional, e as evidências agora inequívocas de que pertencemos a um todo interligado e interdependente, mas que a lógica dos estados nacionais, enquanto building blocks do sistema em que vivemos não reconhece.
Nesta batalha que permanentemente designa uma linha fictícia entre “nós” e “eles”, todos somos perdedores. Não se trata assim de concordar ou discordar da ameaça de um regime absurdo como o da Coreia do Norte, ou do perigo que representam as palavras do chefe de estado norte-americano numa escalada verbal sem qualquer sentido construtivo. A questão fundamental que necessita de ser revista na Sociedade de Risco Global [1] está precisamente na ideia de soberania, e na necessidade vital de superar a lógica dos estados nacionais e fazer emergir novas formas de soberania em defesa de direitos colectivos e interesses difusos.
Esta revisão implica uma inversão radical dos princípios que tem orientado uma forma de fazer política consolidada ao longo de séculos, dos últimos 500 anos talvez, quando a demarcação de fronteiras no planeta ganhou maior impulso, e paradoxalmente se iniciou um processo de globalização, com a exploração massiva de recursos à escala planetária. Na verdade, estas duas narrativas globalizantes e nacionalistas, não são realmente contraditórias, mas complementares de uma mesma dinâmica de dominação autodestrutiva.
Não podemos esperar que os mais destacados protagonistas contemporâneos desta empresa insana, reconheçam em praça pública que pretendem impor seu modo de vida e suas crenças aos restantes habitantes do planeta. Mas não será por acaso que Benjamin Netanyahu perante a mesma assembleia, tenha ousado afirmar o seu jovem estado israelita como uma espécie de prestador de serviços internacional nas mais diversas áreas tecnológicas e da segurança anti-terrorismo. Afinal de contas, as promessas de prosperidade e segurança nacional que marcam estes discursos revelam sua fragilidade na cultura de medo e violência de que se alimentam.
Se quisermos finalmente dar uma oportunidade à paz, precisamos reconhecer que estamos desde há muito tempo em guerra, na diversidade de interesses e culturas que resistem ainda aos projectos unificadores nacionalizantes, e pensar no trabalho diplomático que precisamos encetar. Um trabalho paciente de negociações delicadas entre velhos inimigos, para que todos compreendam as consequências catastróficas humanitárias e ambientais de um conflito nuclear. Em tempos de grande incerteza como os que se vivem hoje no mundo, o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares que 120 nações já assinaram no passado dia 20 de Setembro, é um passo na direcção certa. Mas é urgente que a sociedade exija aos governantes das grandes potências que possuem estas armas que assinem este documento e assumam passos concretos e irreversíveis para o desarmamento nuclear.
Texto de José Barbedo e ilustração de Dacosta
[1] Beck, Ulrich. 1999. World Risk Society. Cambridge, UK: Polity Press.