A MÁQUINA de escrever conheceu tempos áureos antes de ter entrado em declínio com o aparecimento do computador. As competências do dactilógrafo incluíam o conhecimento do aparelho, a fácil identificação das suas partes constituintes e respetivas funções, a capacidade de efetuar a sua manutenção e limpeza e agilidade dactilográfica, combinando o máximo de rapidez com o mínimo de lapsos ortográficos. O treino, a prática, o domínio, o aperfeiçoamento, o virtuosismo, o desafio, a competição, a obsessão, o prazer… motivavam, por vezes, para além das atividades comerciais outras aplicações de índole recreativa e ilustrativa, onde através do desenho se mostravam as potencialidades da máquina e a perícia do dactilógrafo.
Embora as imagens copiadas e recodificadas pela dactilografia se tenham tornado populares, esta prática não colheu o entusiasmo do dactilógrafo de que falamos. Por outro lado, e apesar do uso da máquina de escrever se ter estendido também à produção artística em variadíssimos modos e contextos, o autor do trabalho exposto não é artista. Raimundo Esteves nasceu em 1935 e foi escriturário-dactilógrafo. Depois de ter realizado estudos comerciais, trabalhou durante quarenta anos numa empresa de navegação, desempenhando funções na secção de contabilidade. Sabe-se que foi reformado compulsivamente com a idade de cinquenta e cinco anos. Desde a pequena homenagem que lhe foi dedicada no início da década de noventa, e que mereceu, na ocasião, uma brevíssima nota pública, desconhece-se o seu paradeiro. Os desenhos expostos foram realizados em circunstâncias que só agora começam a despertar interesse. Há informações que apontam para a sua relação com o diagnóstico de acromatopsia, que terá motivado a reformada antecipada de Raimundo. Com esta mostra, a Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto contribui para a divulgação de um trabalho que se tem mantido praticamente desconhecido entre nós.
Por Filipe Jorge Mendes publicado no dia 28 de fevereiro de 2019 in Jornal de Notícias