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Lugares-comuns (181)

Lugares-comuns (181)

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OS REFINADOS

E há também esses lugares-comuns do paradoxo, que fazem a gente suspirar por uma honesta, uma repousante banalidade…

Por Mario Quintana in Poesia completa, Caderno H, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 243.

COMODIDADE

Os lugares-comuns são cômodos como sapatos velhos. Facilitam a vida, estreitam relações, evitam desconfianças e desentendimentos. E depois, se não fossem os lugares-comuns, o que seria dos oradores de banquetes, dos oradores de palanques comemorativos?

Por Mario Quintana in Poesia completa, Caderno H, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 340.

O BUGRE E NÓS

Lia-se nos tratados de psicologia que o selvagem é incapaz de pensamento abstrato: tem noção do que sejam oito homens, oito árvores, oito flechas, mas falta-lhe a noção abstrata do número oito… Ora! nós também não temos noção abstrata do número oito. Quando pensamos oito, estamos “vendo” muito concretamente, a forma do algarismo “8”. Onde é que está a abstração? Somos bugres, querido leitor, continuamos bugres, não evoluímos coisa nenhuma… O que fizemos, nessa decantada prova dos oito, foi apenas uma cômoda transposição de imagens.
E os matemáticos, esses principalmente, não sofrem em absoluto dessa angústia do infinito que às vezes se apodera de qualquer um de nós quando olhamos, por exemplo, para o céu estrelado, a pensar os mesmos lugares-comuns que vínhamos casualmente pensando há tantos milênios…
Os matemáticos estão libertos de tais perplexidades, porque, para eles, o infinito não passa de um oito deitado.

Por Mario Quintana in Poesia completa, Da preguiça como método de trabalho, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 702.

DA MESMA FORMA

Da mesma forma que as crianças gostam de ouvir sempre as mesmas histórias, o comum dos leitores só gosta de lugares-comuns.
Todo o legendário cartaz de que gozavam os sete sábios da Grécia provinha de que só diziam coisas assim: “A vida é um fardo.” Esta, como todos sabem, é de Bias, e bastou para garantir a sua imortalidade, como o leitor bem está vendo por esta citação, quarenta séculos depois.
E quem não adora, quem não sabe como são repousantes essas conversas ocasionais sobre o tempo? Essas e outras têm, como as leituras em geral, a inapreciável vantagem de conservar o cérebro funcionando com o mínimo de combustível.
E note-se que, entre os devotos e praticantes das ideias prontas e das frases feitas, não se conta apenas gente ignara ou limitada… Até pelo contrário. Ainda hoje me rio de meu ingênuo espanto quando, há uns vinte anos, certo famoso locutor de rádio lia, em minha mesa, no saudoso café Ora Bolas, uns versos que eu publicara na Revista do Globo. A certa altura do poema referia-me eu a esses voos misteriosos e súbitos que as pombas citadinas fazem às vezes em conjunto, da cornija de uma casa a outra, de um para outro telhado:
“De casa à casa os beirais
Trocam recados de asas
Riscando sustos no ar…
– Mas – estranhou então aquele meu ilustre e querido leitor – por que não disseste “mensagens aladas”?
Pois se eu queria era exatamente evitar o lugar-comum! Só não caí para trás porque me susteve instantaneamente o meu senso de humour, tão – encantado me vi com o pique do caso.
Coisas assim não deixam de ser, afinal de contas, uma advertência do senso comum ao raffinement em que não raro incorrem os escribas, à custa da perdida inocência.
E, para confusão nossa, com que genial inocência escreveu Victor Hugo: “A montanha tem a névoa, o lago tem o cisne e a alma tem o amor!”
Bem-aventurados os que não têm autocrítica porque deles é o reino da terra.
E chego a dar razão ao locutor… Sim! Há dias em que eu teria vontade de escrever frases como esta: “As crianças são as flores do jardim da vida…” e juro que seria tão feliz como a dona do álbum em que acaso a estivesse escrito!

Por Mario Quintana in Poesia completa, Porta giratória, Alfaguara, 2.ª reimpressão, 2017, página 821.

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