SENTADO na pedra à beira do rio, clamo aos ventos o teu nome. Sofro. Dói-me a aprazível e primaveril paisagem, doem-me os barcos que passam com e sem destino, doem-me as gaivotas que sobrevoam os teus olhos, doem-me as árvores, as casas, as pedras que seguram o céu, doem-me os cantos matinais das rolas, doem-me as flores silvestres que enfeitam as ruas da nossa aldeia, as violetas, os malmequeres, as urzes, as papoilas das beiras dos caminhos onde tu passavas, dói-me a tua ausência nos círculos desenhados na água pelas mãos da Primavera que te levou consigo, dói-me a vida toda no sopro dos ventos que te trazem nas mãos.
Dormes amortalhado nas memórias do rio que te embalou, recolheste a casa, voltaste ao colo de nossa Mãe. Que alegria deves ter sentido ao cruzar as ombreiras da porta onde moram os anjos!
Que lindo é este anoitecer! O céu abre-se sobre a nossa terra, raiado de brancos imaculados anunciam o incerto amanhã. Esta é a imagem permanente dos teus dias felizes, a última, a que levaste para mostrar no Céu.
Aqui na Terra, sentado na pedra à beira do nosso rio, sinto a tua ausência e lembro-me insistentemente de ti. Estou só, mas contigo dentro de mim, meu querido irmão!
Manuel Araújo da Cunha (Rio Mau, 1947) é autor de romances, crónicas, contos e poesia. Publicou: Contos do Douro; Douro Inteiro; Douro Lindo; A Ninfa do Douro; Palavras – Conversas com um Rio; Fado Falado – Crónicas do Facebook; Amanhecer; Barcos de Papel; Casa de Bonecas e Crónicas de outro Mundo.