DIZEM que é em Dezembro que mudam os ventos. Que no dia vinte e um, o sol atinge o seu mais pequeno grau de luminosidade. A claridade reduz-se sobre a parte do hemisfério onde me encontro a tentar recuperar os momentos felizes de um Verão que já acabou. Eu sei que nunca mais volta o esplendor dos dias que passaram, mas insisto. Agora as noites são longas e os dias encurtam, perdem a graça por ausência de brilho. São momentos monótonos, espaço no tempo em que a natureza aproveita para repousar e adquirir novas energias que garantam vitalidade para enfrentar o novo ano que se aproxima. Tudo se agasalha numa intimidade quase forçada, as amenas temperaturas do Outono, deram lugar ao frio que avança sobre as pessoas e sobre todas as coisas. É a chegada do Inverno a fazer as suas travessuras, a forçar um abrandamento nas nossas agitadas vidas permitindo o recolhimento e a reflexão necessária na reconstrução do bem-estar e da paz do corpo e do espírito.
As árvores despiram-se de folhas, as aves migratórias abandonaram o nosso espaço aéreo, deslocaram-se em longínquos voos para regiões mais quentes. As gaivotas ficaram; sem elas não haveria mar, nem azul, nem esperança. Oiço distintos os seus gritos por entre as nuvens baixas que despejam chuva sobre a terra e sobre estas mãos que já seguraram outras mãos. Mais nenhum pássaro faz ouvir o seu alegre piar, abrigaram-se todos nos seus habituais aposentos nocturnos onde conjecturam as núpcias primaveris. De vez em quando uma rola turca cruza o céu a gritar. Esta espécie não migra, deixou-se educar pelo homem, é doméstica, vive no meio das casas. Os barcos já raramente sobem ou descem o rio, tem dias que nenhum deles embeleza a paisagem com a proa elegante a rasgar as águas. Fazem-me falta os barcos como me faz falta o sol que brilhou intensamente durante alguns meses, mas que me deixou de mãos vazias à beira da água.
Hoje vim acordar o rio, é normal que nesta época durma até mais tarde, que se deleite dentro dos seus sonhos como se fosse humano. Acredita-se que é a altas horas da madrugada, quando a lua cheia cavalga no céu como louca, que os rios revelam os seus segredos mais profundos, dizem que é habitual ouvirem-se sons inexplicáveis a pairar sobre as águas, sussurros carregados de magia, efeitos de feitiçarias e encantamentos, mas ninguém sabe ao certo de onde vêm essas estranhas melodias, se por bem ou se por mal e, tão pouco a quem se destinam. Mistérios que os rios guardam dentro das suas águas. Poderá ser a voz da natureza a tentar comunicar através deles com a humanidade, a pedir ajuda pelo infortúnio que todos os dias lhe bate à porta devido aos nossos desadequados comportamentos enquanto ocupantes do mesmo espaço no planeta. Se a mudança vier inundar as mentes, ainda será possível salvar a humanidade.
O Solstício de Inverno aproxima-se do hemisfério Norte do globo, uns dias depois a luz, a um ritmo progressivo, ficará mais tempo sobre esta parte da terra que inicia nova marcha em busca de uma nova e diferente Primavera. Parece haver ainda esperança nos corações dos homens, renovam-se as promessas de paz em redor das mesas nas ceias de Natal repetindo-se hábitos e costumes centenares. Sente-se mais a saudade dos que nos foram queridos. Dói-nos a suas ausências. Depois os festejos da chegada de um novo ano, quase abafam os nossos queixumes. A vida continua apesar de todas as dores, de todos os sofrimentos que nos acompanham desde que nascemos.
Muito muda na nossa forma de viver no decorrer de uma vida, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, tudo reclama renovação e nesse constante frenesi, altera-se tudo para que tudo fique na mesma como escreveu Giusepe Tomasi no seu livro “O Leopardo”. Porém, a mudança deve começar dentro de cada um, ser o resultado dos sonhos e das vontades do colectivo para que o mundo nos acompanhe nessa eterna caminhada para a fraternidade.
Surge um barco lá em baixo a subir lentamente o rio. É uma aparição que brilha e parece feita de cristal. Pode ser uma miragem, uma alucinação ou talvez seja uma estrela que se soltou das puras mãos de uma criança recém nascida e que vem a resplandecer de luz para iluminar o nosso mundo e as nossas vidas.
Feliz Natal
Manuel Araújo da Cunha (Rio Mau, 1947) é autor de romances, crónicas, contos e poesia. Publicou: Contos do Douro; Douro Inteiro; Douro Lindo; A Ninfa do Douro; Palavras – Conversas com um Rio; Fado Falado – Crónicas do Facebook; Amanhecer; Barcos de Papel; Casa de Bonecas e Crónicas de outro Mundo.