FIM de tarde de vinte e quatro de Dezembro de 2023. A atmosfera, carregada de humidade gelada sacudida por um vento que vinha das serras transmontanas e fustigava os corpos dos que tinham, por qualquer motivo, de viajar pelos caminhos da aldeia, imitava na perfeição outros dias de festas natalícias, nos anos antigos em que o frio era presença constante quase por todo o País.

Nestas horas festiva e únicas em que os corações e olhos das crianças estão dirigidos emocionalmente para a chegada da figura universal mais emblemática do planeta, ocorrem histórias verdadeiras capazes de nos comover e fazer regressar através da memória, aos tempos em que também éramos crianças e trazíamos, no íntimo dos nossos corações puros, a mais fantástica das magias alguma vez criadas neste mundo.

Eu conto uma das histórias a que assisti, como simples observador dessa sinfonia de inocência e ternura que, pela simplicidade da personagem envolvida, supera todo o desamor e agressividade que permitimos apoderar-se dos seres humanos e degrada a humildade intelectual das sociedades modernas, incapazes de reagir contra essa transversal ostentação de erudição irreal e inválida, que nos deixa dia apos dia mais embrutecidos.

Tudo se resume a uma carta dirigida ao Pai Natal, figura simbólica da generosidade universal que vive há séculos no imaginário das crianças mais pequeninas que, para além das grandes esperanças que nele depositam, envolvidas numa espécie de encantamento, lhe dedicam os seus mais inocente, belos e fantásticos sonhos.

A carta que foi deixada na borda da chaminé de uma habitação, acompanhada com algumas bolachas e uma cenoura crua, dizia assim:

– Olá, querido Pai Natal, este ano portei-me muito bem e gostava muito de um presente. Eu gostaria de uma Big Lol Surprise , pode ser de pérola, do tipo que tu quiseres. Mas eu gostaria de fazer-te outros pedidos. Também gostaria de um colar e uns brincos dos que tu quiseres escolher. E gostaria de um presente que tu escolheres e que eu não saiba (escolhe tu) e uma lanterna laser dos chineses para o meu gato Dobby.

Mas acima de tudo, eu gostaria que nunca mais houvesse guerras no mundo, nem crianças, nem adultos ou idosos mortos, e também que não houvesse meninos a passar necessidades.

Beijinhos da Carolina

Podes deixar as prendas em casa da minha avó em Moreira.

Se leste, assina aqui ………..

Se gostaste, assina aqui ……..

Pinta um coração.

Dá para as tuas renas estas cenouras e come estas bolachas.

Tchau, bom Natal e bom Ano Novo.

Pode ser a Lol Suprise ou uma capa para o meu iPad da cor que tu quiseres. Adoro-te, Pai Natal.

Beijinhos da Carolina.

Seguiam-se vários corações desenhados de forma aleatória.

Nesse mesmo dia, depois da consoada em casa da avó, foram distribuídos os presentes e lá estavam todas as prendas que a menina pediu ao Pai Natal. Já a altas horas da noite, quando regressou a casa, foi directa ao sítio onde tinha deixado a carta. As bolachas e as cenouras tinham desparecido, a carta estava assinada pelo Pai Natal nos exactos lugares que ela pediu e o coração estava pintado de vermelho.

Deve ter acontecido algum milagre nessa noite. A magia andou à solta pelos caminhos de todas as cidades e aldeias deste mundo, bateu à porta de todas as casas. E quando isso acontece, renova-se a esperança nos corações da Humanidade, que parece alheia às mais importantes coisas que a vida tem.

Feliz Ano Novo, Carolina!

Manuel Araújo da Cunha (Rio Mau, 1947) é autor de romances, crónicas, contos e poesia. Publicou: Contos do DouroDouro Inteiro;  Douro LindoA Ninfa do DouroPalavras –  Conversas com um Rio; Fado Falado –  Crónicas do Facebook;  Amanhecer; Barcos de PapelCasa de Bonecas e Crónicas de outro Mundo.

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