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Flor do Douro

Flor do Douro

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É AQUI que eu moro nesta reentrância de paz e de silêncio. O rio é o meu confidente, ouve-me, permite-me esvaziar a solidão que só um barco sabe como é triste, dura e devastadora de sonhos. São dias, meses e anos fundeado neste pedaço do rio sob os rigores dos Invernos em que o caudal aumenta e a força da corrente ameaça rebentar as amarras que me seguram à margem e solto, ir desfazer-me de encontro às pedras.

Na Primavera tenho sempre companhia. Flores silvestre brotam aos milhares em meu redor, enfeitam-me, fazem-me sentir feliz. Os pequeninos miosótis são um encanto e formam um tapete de verde e azul em volta dos troncos dos centenários e frondosos sobreiros que proporcionam sombra nos dias mais quentes. As aves fazem os ninhos nessas e em outras árvores que cobrem este maravilhoso recanto. Há uma cantoria permanente em cada amanhecer, são melodias únicas, concertos musicais inimitáveis e de uma sonoridade tão bela que só é possível imagina-la num sonho. Às vezes passam por aqui barcos como eu e outros de maiores dimensões que provocam ondulações mais fortes do que as das suaves brisas que apenas me embalam. Então transformo-me, deixo por momentos de ser um troco de madeira à deriva para me metamorfosear em delicada ave, num cisne inspirador de orquestrações musicais de sonho ou elegante garça-cinzenta igual às que muitas vezes procuram protecção em cima do meu corpo e ali dormem toda a noite protegidas. Sim descendo de uma árvore como estas que me acompanham perfiladas nas margens do rio. Sou feito de terra e de água como os humanos.

Ainda navego ao longo deste maravilhoso curso de água. Percorro lugares inacessíveis por terra, sinto que o rio sente e partilho com ele a minha vida.

Um dia acabarei aqui neste recanto a ver passar jovens embarcações carregadas de gente que vai conhecer o Alto Douro, a escutar os maviosos sons da natureza, a deixar que um dia  seja ela a fechar-me os olhos para sempre. O rio Douro ficará por aqui a recordar-me e haverá noites em que feliz, caminharei sobre as suas águas como se fosse um barco.

Por Manuel Araújo da Cunha

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