Lendas antiquíssimas, do tempo em que o romantismo parecia ir ser eterno e até os amores eram muitas vezes de perdição, fantasiosas ou não, de certo modo relacionadas com a mitologia, fazem parte integrante das memórias dos povos, representando uma fracção da sua identidade cultural, ao descreverem acontecimentos importantes para o conhecimento da humanidade.

Algumas delas falam de Miosótis, pequenas e delicadas flores silvestres que nascem, crescem e florescem aleatoriamente nas montanhas e nas margens dos rios e dos lagos de todo o mundo. Na primavera, formando belos tapetes multicores nas zonas húmidas em que a claridade é menos intensa e existe um micro clima favorável à sua progressão, encantam os nossos olhos com a sua simples e natural formosura. Estas pequenas maravilhas da natureza são demasiado sensíveis à luz solar, qualquer irregularidade no processo de fotossíntese poderá ser decisiva no processo de sustentabilidade e disseminação desta espécie.  Podem ser de cor branca, rosa ou até de azul céu.

Contam certas lendas que foram as lágrimas derramadas por Maria, Mãe de Jesus Cristo, sobre as pétalas destas singelas flores, quando, em extremo sofrimento, chorava a morte do seu amado Filho, que deram, desde aí, a cor azul celeste a essas flores.

Uma outra lenda, também muito longínqua no tempo, conta que num belo dia de primavera, dois jovens namorados e apaixonados se encontravam em pleno romance amoroso na margem de um rio, quando de repente a rapariga avistou um ramo de Miosótis a boiar na corrente.  E que ficou maravilhada pela encantadora beleza dessas pequeninas flores.

O seu querido parceiro atirou-se ao rio, com a intenção de o recolher e seguidamente o oferecer à sua namorada. No entanto, quando tentou voltar para a margem, foi arrastado pela força da corrente. Pouco antes de desaparecer no turbilhão das águas, já com o ramalhete preso numa das mãos, gritou para a sua amada:

– Não te esqueças de mim, ama-me para sempre!

A partir desse dia, os Miosótis passaram a nascer e a crescer nas margens de todos os rios e lagos da terra, para que mais ninguém tivesse de perder a vida por causa da sua simples, mas pura e delicada beleza.

Todos os dias, das várias centenas ou milhares de anos que passaram desde então, os olhos de muitas pessoas enamoradas que passeiam algures pelas bordas do rio Douro, ao longo do seu sinuoso percurso, longe ou já muito próximo da foz, ficam presos à sua corrente, na esperança de que um ramo de miosótis floridos apareça a boiar. E, como descrevem as velhas narrativas, o ser desejado e amado se precipite nas águas, para recolher as belas flores e, já a salvo, muito pertinho da margem, com o ramalhete preso numa das mãos, clamar de alegria para elas:

– Não te esqueças de mim!

Manuel Araújo da Cunha (Rio Mau, 1947) é autor de romances, crónicas, contos e poesia. Publicou: Contos do DouroDouro Inteiro;  Douro LindoA Ninfa do DouroPalavras –  Conversas com um Rio; Fado Falado –  Crónicas do Facebook;  Amanhecer; Barcos de PapelCasa de Bonecas e Crónicas de outro Mundo.

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