JÁ é Primavera aqui ao pé do rio, que segura nas mãos feitas de terra e xisto, ramalhetes de giestas floridas.
Abrem-se em cachos sobre a água, tocam-na levemente com os macios lábios amarelos e parece que são embarcações carregadas de beijos, a navegar no Douro.
Mimosas e giestas anunciam o pleno da estação das flores, não há ainda um sol escaldante de Verão, mas sim um calor novo a temperar a terra, a suavizar os dias e as madrugadas por enquanto despidos de folhagem, mas absorvendo a luz que tonifica, regenera e perpetua a vida.
É uma atmosfera temperada, distante daquela triste e sinistra que já vivemos. Traz-nos esperança, faz-nos acreditar que não estamos sozinhos, neste lugar de onde se avista ao longe o mar.
O Douro olha para mim e sorri, respira o perfume inimitável das giestas e abre, na liquidez do rosto, desenhos de beleza imaculada. Observo-o neste instante de pureza matinal, sinto que é feliz, porque sabe que o tenho a viver no coração.
É aqui que te espero, sentado à beira do rio que, como espelho mágico, voltou a reflectir os barcos, as flores, as árvores, as casas, o céu, as estrelas, e há-de espelhar um dia a pura luz do teu sorriso.
publicado in Casa de Bonecas Cronicas de Outro Mundo
SOBRE O AUTOR: Manuel Araújo da Cunha (Rio Mau, 1947) é autor de romances, crónicas, contos e poesia. Publicou: Contos do Douro; Douro Inteiro; Douro Lindo; A Ninfa do Douro; Palavras – Conversas com um Rio; Fado Falado – Crónicas do Facebook; Amanhecer; Barcos de Papel; Casa de Bonecas e Crónicas de outro Mundo.