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Segundo dilúvio

Segundo dilúvio

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PELE branca, olhos azuis. Azuis, como lagos profundos. No mês de maio saía da casa em ruínas: ia com as borboletas na caça de fragrâncias remotas. Colhia flores silvestres, oferecia-as aos camponeses. E a generosidade dos camponeses dava-lhe vinho e sorrisos. Quando nasceste, contou-lhe uma velha, súbita tempestade destruiu a nossa aldeia. As enxurradas arrastaram gado e gente. Ano de penúria. Nesse mesmo dia, como se as palavras da velha acirrassem a fúria da natureza, sobreveio temporal desabrido. Os sobreviventes do segundo dilúvio, em clamor aflito, procuraram a menina. Ninguém, e ninguém a viu – ter-se-á esborratado no azul profundo dos olhos.

Texto de Francisco Duarte Mangas publicado originalmente in O homem do saco de cabedal, Campo das Letras, maio de 2000, página 10, com ilustração de Inma Doval.

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