O amor é uma corruíra no jardim – de repente ela canta e muda toda a paisagem.
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Solta do pessegueiro a folha seca volteia sem cair no chão – um pardal.
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Desista cara. Já tentou riscar no papel o voo fácil da corruíra catando ao vento ossinho de borboleta?
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Aparou o bigodinho e escolheu a camisa florida.
– Ele se enfeitava para a morte e não sabia.
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Do meu coração ela fez almofada furadinha de alfinetes.
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O cão olha para o menino: o sol move a lua, os planetas – e o seu rabinho.
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Não fale, amor. Cada palavra, um beijo a menos.
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Bolem na vidraça uns dedos tiritantes de frio – a chuva.
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A velha insônia tosse uma, duas, três da manhã.
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A chuva sovina conta e reconta suas moedas nas latas do quintal.
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O vaga-lume risca um fósforo outro mais outro sem acertar a chave na porta.
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Amor – ó lírio ó petúnia ó rosa que perfumam no escuro o quarto vazio.
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Os nossos mortos muito segredo têm a contar e você, ingrato, nem uma vez quer ouvi-los.
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Esta cidade é pequena demais para nós dois – ela e eu.
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Guerra conjugal: as mil e uma batalhas da minha, da tua, da nossa Ilíada doméstica.
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O escritor é irmão de Caim e primo distante de Abel.
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Em toda casa de Curitiba, João e Maria se crucificam aos beijos na mesma cruz.
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Tiritando ao sol, pires perdido sem xícara, o viúvo chupa deliciado uma bala azedinha.
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Excitação maior que despi-la? É livrá-la do óculo. Mais nua de estar sem óculo que sem roupa.
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O tico-tico, ao dar com o negro filhote de chupim, não expulsa do ninho a fêmea inocente?
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A besta do Apocalipse, quem diria, reduzida a cobrar o dízimo dos fiéis.
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Na hora de assinar, todo soberbo o velhote, no seu oclinho torto:
– O meu nome, qual é? Quem mesmo sou eu?
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Basta você beijar o pé da mulher, ela te espezinha.
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Só de vê-la – a doçura do quindim se derretendo sem morder – o arrepio lancinante no céu da boca.
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O grito da menina diante da cadelinha que deu cria:
– Venha ver, mãe. Tadinha da Fifi. Ai, toda em pedacinho.
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O homem e o filho e o neto, raça de víboras do pó.
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O menino infeliz, bracinho pro céu:
– Colvo, me leva.
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– Que loucura, João, beber tanto.
– Mais loucura não é, depois de bêbado, voltar para casa?
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Corta essa, cara. De que serve fazer bem uma gaiola dourada se nenhum passarinho quer entrar?
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Ai de Sansão, fosse bom amante, não o trocaria Dalila por um filisteu qualquer.
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– Não gosto de você, amor. Mas não fique triste: não gosto de ninguém. Nem de minha mãe eu gosto.
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A velhinha meio cega, trêmula e desdentada:
– Assim que ele morra eu começo a viver.
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Quem lhe dera o estilo do suicida no último bilhete.
DALTAN Trevisan morreu no dia 9 de dezembro de 2024. O escritor prosseguia um objetivo invulgar, o de fazer prosa como os japoneses faziam haikus.
NOTÍCIAS EM TRÊS LINHAS
Para não assistir às comemorações do seu próprio centenário, Daltan Trevisan preferiu morrer sete meses antes.
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Família e admiradores andavam entusiasmados com o facto de poder chegar aos 100 anos. Mas Daltan Trevisan não lhes fez a vontade. Morreu antes.
PML