9.
NOS DIAS TRISTES NÃO SE FALA DE AVES
Nos dias tristes não se fala de aves.
Liga-se aos amigos e eles não estão
e depois pede-se lume na rua
como quem pede um coração
novinho em folha.
Nos dias tristes é Inverno
e anda-se ao frio de cigarro na mão
a queimar o vento e diz-se
– bom dia!
às pessoas que passam
depois de já terem passado
e de não termos reparado nisso.
Nos dias tristes fala-se sozinho
e há sempre uma ave que pousa
no cimo das coisas
em vez de nos pousar no coração
e não fala connosco. →
8.
“O amor não se sente, faz-se”,
li no anúncio a um motel de beira da estrada.
Eu ia de táxi, a caminho do aeroporto.
Minutos antes disso, passei por duas mulheres
com quatro pernas cada uma.
Não sei se compreendem: cada mão delas
segurava um bastão como promessa de equilíbrio.
Faziam, depois percebi, o Caminho de Santiago,.
Iam a pé a caminho do céu.
in Eufeme n.º 9, outubro/dezembro 2018, página 31
7.
Nos dias tristes não se fala de aves.
Liga-se aos amigos e eles não estão →
6.
Demoro-me neste país indeciso
que ainda procura o amor
no fundo dos relógios, →
5.
Não sei se prefiro o rio
ou o seu reflexo nas janelas espelhadas. →
4.
Antes de vir para o Vale Formoso,
convidaste-me para almoçar. →
3.
No Vale Formoso, vou fumando cigarros,
vou tomando cafés, vou fugindo das abelhas, →
2.
Nesta brisa quase suave
de plantas já anoitecidas
quase te toco entre as regas,
e entristeço. →
1.
Apontas para o rosto sarcástico do sol de Inverno
E disparas. Há tantos meses que não chove – reparaste? →
Filipa Leal, nasceu no Porto em 1979. Formou-se em Jornalismo na Universidade de Westminster, em Londres, e concluiu o Mestrado em Estudos Portugueses e Brasileiros pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (onde apresentou a dissertação sobre os «Aspectos do cómico na poesia de Alexandre O’Neill, Adília Lopes e Jorge de Sousa Braga»). Jornalista cultural, é de salientar a sua colaboração no suplemento «das Artes, das Letras» de O Primeiro de Janeiro, para o qual já entrevistou diversas figuras de destaque da literatura portuguesa e estrangeira. Recitadora e locutora, colabora regularmente com o Teatro do Campo Alegre, no ciclo «Quintas de Leitura», e integra o colectivo poético «Caixa Geral de Despojos». Participa nos Seminários de Tradução Colectiva de Poesia da Fundação da Casa de Mateus. Publicou LUA-POLAROID (ficção), 2003, Corpos Editora, e TALVEZ OS LÍRIOS COMPREENDAM (poesia), 2004, Cadernos do Campo Alegre.
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