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Filipa Leal (1979)

Filipa Leal (1979)

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9.
NOS DIAS TRISTES NÃO SE FALA DE AVES

Nos dias tristes não se fala de aves.
Liga-se aos amigos e eles não estão
e depois pede-se lume na rua
como quem pede um coração
novinho em folha.

Nos dias tristes é Inverno
e anda-se ao frio de cigarro na mão
a queimar o vento e diz-se
– bom dia!
às pessoas que passam
depois de já terem passado
e de não termos reparado nisso.

Nos dias tristes fala-se sozinho
e há sempre uma ave que pousa
no cimo das coisas
em vez de nos pousar no coração
e não fala connosco. 

8.
“O amor não se sente, faz-se”,
li no anúncio a um motel de beira da estrada.
Eu ia de táxi, a caminho do aeroporto.

Minutos antes disso, passei por duas mulheres
com quatro pernas cada uma.
Não sei se compreendem: cada mão delas
segurava um bastão como promessa de equilíbrio.
Faziam, depois percebi, o Caminho de Santiago,.
Iam a pé a caminho do céu.

in Eufeme n.º 9, outubro/dezembro 2018, página 31

7.
Nos dias tristes não se fala de aves.
Liga-se aos amigos e eles não estão 

6.
Demoro-me neste país indeciso
que ainda procura o amor
no fundo dos relógios, 

5.
Não sei se prefiro o rio
ou o seu reflexo nas janelas espelhadas. 

4.
Antes de vir para o Vale Formoso,
convidaste-me para almoçar. 

3.
No Vale Formoso, vou fumando cigarros,
vou tomando cafés, vou fugindo das abelhas, 

2.
Nesta brisa quase suave
de plantas já anoitecidas
quase te toco entre as regas,
e entristeço. 

1.
Apontas para o rosto sarcástico do sol de Inverno
E disparas. Há tantos meses que não chove – reparaste? 

Filipa Leal, nasceu no Porto em 1979. Formou-se em Jornalismo na Universidade de Westminster, em Londres, e concluiu o Mestrado em Estudos Portugueses e Brasileiros pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (onde apresentou a dissertação sobre os «Aspectos do cómico na poesia de Alexandre O’Neill, Adília Lopes e Jorge de Sousa Braga»). Jornalista cultural, é de salientar a sua colaboração no suplemento «das Artes, das Letras» de O Primeiro de Janeiro, para o qual já entrevistou diversas figuras de destaque da literatura portuguesa e estrangeira. Recitadora e locutora, colabora regularmente com o Teatro do Campo Alegre, no ciclo «Quintas de Leitura», e integra o colectivo poético «Caixa Geral de Despojos». Participa nos Seminários de Tradução Colectiva de Poesia da Fundação da Casa de Mateus. Publicou LUA-POLAROID (ficção), 2003, Corpos Editora, e TALVEZ OS LÍRIOS COMPREENDAM (poesia), 2004, Cadernos do Campo Alegre.

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