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João Saraiva (1866-1948)

João Saraiva (1866-1948)

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Há corações felizes
Que rápido se esquecem!
Esses não envelhecem…
São os ingratos — dizes.

Ingratos, não: felizes,
Que sempre reverdecem!.

Há corações que a amar
Vão como de caminho
Por uma estrada a andar!…
Eu vou devagarinho…

Por isso hei de eu amar
E hei de me ver sozinho!

Esses bem raro alcançam
O termo da carreira!
Caem por fim na poeira…
Ah, morrem, mas não cansam!

Coitados, não alcançam
A sua companheira!…

Um coração assim
Decerto não conheces…
Põe teu olhar em mim
E dize se o mereces!

E és mais feliz assim…
Feliz, porque te esqueces!

Um coração que sente
Tamanho amor não dorme…
É um sofrimento enorme
Sofrer constantemente…

O teu, bem sei, não sente
O meu então não dorme! 

8.
A ESTÁTUA E O SINO

Uma estátua de Herói ergue-se além na praça…
Contempla-a, envaidecida, a multidão que passa!
Mas a estátua do Herói, num pedestal de glória,
Fixa no vácuo azul a pupila ilusória
E afronta a multidão no seu gesto imortal!

— Bronze, que dizes tu?

Firme no pedestal,
Solene, a estátua diz: «Amei a Liberdade…
O Homem só é Deus -.. Ergue-te, Humanidade!»

Dobra um sino na Torre… A Egreja comemora
Um Santo que viveu numa perpétua aurora!
— Bronze, que dizes tu?

« — Ajoelha, homem que passa!
Um homem, como tu, foi santo…»

E, então, na praça
Dessa estátua sublime a ilusória pupila
Parece que, fitando o sino, inda fuzila!

Homem! que dizes tu? Vaidades loucas só!
A estátua é bronze, o sino é bronze…E tu és pó! 

7.
MULHER

Deus, povoado este desterro
Como a Bíblia relata,
Depois do Homem, que é o erro,
Fez a mulher, que é a errata.

6.

«Sou alta» – diz a Amizade.
«Sou profundo» – diz o Amor.
E lembram bem, na verdade,
Montanha e vale, ao sol-pôr,
Pois antes que o sol resvale
Ao pélago, onde se banha,
Já dorme em sombras o vale
E há ainda sol na montanha. 

5.
Teu hálito parece
Um aroma de flor
Que nunca se colhesse
A aragem mal lhe toca
Logo perfuma os ares… 

4.
O pai, aterrado ao estudo.
Teve grande nomeada.
Foi sábio — sabia tudo…
E o filho que sabe? — nada. 

3.
O Sol espalha umas arestas quentes
D’oiro de lei; e na floresta verde
Um feixe luminoso, que se perde,
Desperta, acorda os líricos dormentes.

Palpitam asas e tilintam cantos!
Há gargalhadas frescas e indiscretas
Na multidão dos cálidos poetas,
E bicadas depois… Se elles são tantos!…

Na rendilhada púrpura dos céus,
Dado o sinal, a Natureza se ergue
Gentil, madrugadora, religiosa…

O camponês afasta-se do albergue…
Eu termino estes versos, que são teus
E só tu não madrugas,—preguiçosa! 

2.
Árvore, — amiga constante,
Desde o berço à sepultura! 

1.
Bem dita sejas tu, que me fizeste crer!
A minha flor da crença eu sentia-a morrer 

João Baptista Pinto Saraiva nasceu no Porto em 1866. Exerceu o cargo de Governador Civil de Vila Real e do Porto (1907-1908). Deputado nos anos que precederam a Primeira República. Frequentou a Escola Médico-Cirúrgica, que abandonou por doença, o mesmo tendo feito pouco tempo depois de se haver matriculado no Curso Superior de Letras. Foi figura de relevo na poesia portuguesa contemporânea, quer pelo seu lirismo, quer pelo seu espírito satírico, cedo revelando a sua vocação. Em prosa publicou apenas uma evocação do Grémio Literário, de que foi um dos primeiros sócios. Para o teatro, escreveu um pequeno acto em verso intitulado Máscaras, representado no Ginásio, em 1900, e, em colaboração com António Carneiro a revista País de Turismo que, no S. Luís, (1925) obteve grande êxito. Colaborou em vários jornais – de Lisboa e Porto. Politicamente, a sua actividade foi intensa, mas não longa. Quando da cisão do Partido Regenerador, em 1901, ingressou no Partido Regenerador-liberal, fundado por João Franco. Depois da queda do Governo de João Franco, que se seguiu ao regicídio, embora permanecendo fiel às suas ideias monárquicas, abandonou a política. Respeitado pelos seus adversários, a República manteve-o no lugar que ocupava no Parlamento, aposentando-se, no tempo legal, como 1.º redactor do Diário das Sessões. Faleceu em 1948.

§

João Baptista Pinto Saraiva nasceu no Porto a 16 de Agosto de 1866 e faleceu na mesma cidade a 25 de Janeiro de 1948. Seguindo uma carreira política, foi deputado pelo Partido Regenerador Liberal, de João Franco, e governador civil em Vila Real, em 1906, e no Porto, entre 1907 e 1908, tendo abandonado a política com a queda do franquismo. Iniciando a sua actividade nas letras no âmbito da imprensa portuense e em seguida da lisboeta, foi director do semanário Folha Literária (1884) e colaborou nas publicações A Folha Nova (1881-88), A Comédia Portuguesa (1888-89), A imprensa (1885-1891), A semana de Lisboa (1893-1895), Brasil-Portugal (1899-1914) e no mensário Atlântida (1915-1920), entre outras.

Destacando-se sobretudo como poeta de tendência neo-romântica, publicou Serenatas (1886), O mar (1888), Primavera (1889), Líricas (1890), Mocidade (1896), Sátiras (1905), sob o pseudónimo de Rivol, Líricas e sátiras(1916), Lenda de Santa Bárbara (1922), Sol-posto (19–) e Sinfaníadas (1938). Publicou ainda o texto para o teatro intitulado Mascaras: tríptico em verso (1925), representado no Teatro Ginásio em 1900, e o ensaio O Grémio Literário: figuras e episódios de outros tempos (1934).

Referências bibliográficas:
AAVV, [19–] – “Saraiva (João)”. In Grande enciclopédia portuguesa e brasileira. Vol. XXVII. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, pp. 700-701.
LISBOA, Eugénio (ed lit.), 1991 – “Saraiva, João Baptista Pinto”. In Dicionário cronológico de autores portugueses. Vol. II. Mem Martins: Europa-América, p. 513. 

§

“Já poucos sabem da existência do João Saraiva. Era um funcionário do Parlamento mas, mais do que isso, era um notável poeta satírico e tenho pena que os seus versos se tenham perdido. Noutro dia o Ventura Martins disse-me que ele era tio da sua mulher e eu fiquei interessadíssimo pela possibilidade de recuperação de algum espólio. Mas já agora vou deixar aqui dois versos que sei de cor. Um é dedicado a um deputado de Alcafozes, uma aldeia lá da Beira Baixa, que era muito estúpido. Ele fez-lhe esta quadra magnífica:

Quando fala o de Alcafozes,
Os burros ficam pasmados,
Ouvindo, estando calados,
O eco das próprias  vozes.

A outra é dedicada ao deputado Vasco Borges, o único deputado do Parlamento da República que, depois, foi deputado da União Nacional. Esta mudança tão radical foi, na altura, falada e comentada pelo País. Inclusivamente saiu um anúncio no jornal que dizia assim: «CASACAS, VIRAM-SE» e depois vinha o telefone dele. O verso é assim:

Na sala do Parlamento,
O da União Nacional,
Alguém lê em gesto lento,
Descompassado e banal,
Os eleitos de São Bento.
Eis que uma figura vem,
Ouve-se um nome: o de Vasco,
Os ecos repetem «asco»
E repetem muito bem.”

Por António Alçada Baptista publicado in A pesca à linha – Algumas memórias, Editorial Presença, janeiro de 1998, página 33.

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