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José Régio (1901-1969)

José Régio (1901-1969)

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8.
GÉNESE

Sozinho, à margem do caminho, um verme.
Passam, repassam bandos pela estrada.
E alguns vão vê-lo… ou antes: vêm ver-me,
Com um dó que dói como uma chicotada!

Passam, repassam bandos pela estrada…
Levantam pó que desce a envolver-me.
E outros, por animarem a jornada,
Jogam à bola com minh’alma inerme.

Passam. E à margem do caminho, triste,
Respiro o pó que inda no ar persiste…
Cai das estrelas o silêncio, o espanto.

Qualquer coisa de absurdo me sufoca.
Maior do que eu, sobe-me a alma à boca.
Falta-me o ar, incho de angústia… – E canto.

in Eugénio de Andrade, Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa, Campo das Letras Editores, S. A., 1999

7.
ÍCARO

A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mãos postas e adorei-a.

Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidões desceram do povoado,
Que a minha dor cantava de sereia…

Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silêncio gelou em derredor…
E eu levantei a face, a tremer todo:

Jesus! ruíra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo. 

6.
Sim, bem sei que o tablado em que figuro
Longe está bem de mim léguas e léguas.
Minhas pupilas viam longe… e eu cego-as;
Mas sei que finjo achar o que procuro. 

5.
NATAL

Mais uma vez, cá vimos
Festejar o teu novo nascimento,
Nós, que, parece, nos desiludimos
Do teu advento!
Cada vez o teu Reino é menos deste mundo!
Mas vimos, com as mãos cheias dos nossos pomos,
Festejar-te, ─ do fundo
Da miséria que somos.
Os que à chegada
Te vimos esperar com palmas, frutos, hinos,
Somos ─ não uma vez, mas cada ─
Teus assassinos.
À tua mesa nos sentamos:
Teu sangue e corpo é que nos mata a sede e a fome;
Mas por trinta moedas te entregamos;
E por temor, negamos o teu nome.
Sob escárnios e ultrajes,
Ao vulgo te exibimos, que te aclame;
Te rojamos nas lajes;
Te cravejamos numa cruz infame.
Depois, a mesma cruz, a erguemos,
Como um farol de salvação,
Sobre as cidades em que ferve extremos
A nossa corrupção.
Os que em leilão a arrematamos
Como sagrada peça única,
Somos os que jogamos,
Para comércio, a tua túnica.
Tais somos, os que, por costume,
Vimos, mais uma vez,
Aquecer-nos ao lume
Que do teu frio e solidão nos dês.
Como é que ainda tens a infinita paciência
De voltar, ─ e te esqueces
De que a nossa indigência
Recusa Tudo que lhe ofereces?
Mas, se um ano tu deixas de nascer,
Se de vez se nos cala a tua voz,
Se enfim por nós desistes de morrer,
Jesus recém-nascido!, o que será de nós?!

in Diário de Notícias, edição nº 33 345, 25 de Dezembro de 1958 

4.
FADO DO GRANDE E HORRÍVEL CRIME

Por essas feiras do alfoz
Do Porto, leal cidade,
Brutal e triste, uma voz
Levanta um pregão feroz
De crime e fatalidade.

(…) publicado in Ao Porto, colectânea de Poesia sobre o Porto, organização de Adosinda providência Torgal e Madalena Torgal Ferreira, Publicações Dom Quixote, 2001, página 174.

3.
O Fado nasceu um dia,
Quando o vento mal bulia 

2.
Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma… Abre-me o seio,

1.
Dentro de mim me quis eu ver. Tremia,
Dobrado em dois sobre o meu próprio poço…

Breve biobibliografia de José Régio 

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