8.
cantaria
a pedra transformada
por fora.
in cantaria, Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, julho 2014, página 83
7.
Vivo nas divisões de uma floresta
no 2º esquerdo,
feita de clareiras e de soalhos secos.
Tem árvores feitas adossadas às periferias,
ocadas e com peles substitutas:
na lisura dos afagos do verniz,
ceras e pinturas.
Tenho para remissão da secura,
terrenos envasados,
partículas de floresta de companhia.
Têm coração no pulsar da seiva,
e na troca frágil da respiração,
sobrevivem entre regas
de torneira.
Guardo em compartimentos
algumas paisagens,
nervuras de letras em fragmentos de tempo.
E tenho paisagens brancas como esta,
interiores de árvores feitos em lâminas,
onde hoje escrevo:
floresta.
Novembro 2019
6.
convinha-me um rosto interior térreo,
para dizer bom dia aos meus amigos.
às vezes navegamos as margens da página
como se não houvesse segmentos nem demolições
e desenhamos elipses para respirar melhor.
às vezes, sentados no meio do tempo,
desfolhamos desoras de memórias
como se não houvesse embora,
bons dias arados a dedos de palavras.
mas, cedo a vertigem, outra vez.
cedo um fugir de portas,
debaixo de água.
cedo as páginas truncadas,
expulsadas de nós,
eclipse das margens.
cedo a voz que não cala
e que a bigorna talha.
mas dança dança dança
5.
Escrevo-te de um país onde a língua
habita o céu-da-boca.
A língua é de carne. O céu é de carne
e a atmosfera, com forte actividade tectónica
é feita de pensamento e carne.
A boca utiliza muito a língua,
que às vezes fala com o coração.
P.S. No meu país a língua também se escreve
e há poetas, actores, ventríloquos
e outros operários. →
4.
mexe – para alegria dos pássaros
pousados nas linhas
da mão aberta – →
3.
atas-me a um rio
corrente, leito dúctil
de um ombro. →
2.
vertes uma vasilha
vestido engelhado
cheio do teu braço. →
1.
estamos onde somos →
Óscar Possacos (1962) é natural de Sendim da Ribeira, Alfândega da Fé. Por ora vive em Paredes. Com formação inicial em arquitetura exerce a atividade de professor de educação visual. E é poeta. Publicou “Lugar Quebrado” em 1982 e “Húmida Viagem” em 1984, tendo esta última obra poética sido distinguida com o Prémio Nacional Juvenil Ferreira de Castro. Recentemente deu à estampa “Cantaria” onde revela que estamos onde somos. Ao Correio do Porto confidenciou que às vezes consegue ler nas gretas da cara de alguns Homens, a orografia da terra que amanham, mimetismos das cidades que habitam.