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Regina Gouveia (1945)

Regina Gouveia (1945)

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ENXOVAL

Encarcerados nas arcas
os linhos saíam por vezes à luz do dia, em busca de ar
renovado
Com eles as rendas,
os monogramas,
os bordados,
feitos por longínquas mãos.
Cumprido o ritual,
impregnados de alfazema e alecrim,
os linhos regressavam submissos à prisão.
Qual o seu passado?
Colchas e lençóis
por quantas camas passaram?
Quantas noites de amor testemunharam?
Quantas de dor?
Toalhas, quantas vezes maculadas
por dourados azeites e por rubros vinhos?
Das arcas saíam os linhos, mas não todos.
Alguns foram servindo de mortalhas
a quem as bordou, horas sem fim.

in Quando o mistério se dilui na penumbra e Magnetismo terrestre, edição de autor, 2017, página 33

4.
DENÚNCIA

Símbolo da paz,
erguia-se, centenária, no chão agreste,
o tronco esculpido pelo tempo,
a rama de prata oscilando ao vento.
As drupas negras, de penosa apanha,
sangravam azeite,
deleite  na mesa  e luz na candeia.
Árvore lendária,
Tito Lívio citou-a na história de Roma,
referiu-a Homero na Odisseia.
Frondosa,
dulcificou muitas tardes cálidas  de verão,
derramando no chão a sombra amena,
convite a sonhos tranquilos, a leituras serenas.
Quantos ali se acolheram ao longo dos tempos?
Gélidos invernos, verões escaldantes,
inclementes chuvas, furiosos ventos,
a tudo resistiu, com seu porte altivo.
Agora, qual viúva vestida de preto,
denunciando um mundo desvalido,
ergue o esqueleto no chão enegrecido. 

3.
Da crisálida
irrompeu, num grito azul,
a mariposa.

2.
Forte, o vento
fustigou a tímida sombra
do salgueiro.

1.
Em noites cálidas
cintilam pirilampos. Cortejam
estrelas cadentes.

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