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Regina Guimarães (1957)

Regina Guimarães (1957)

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6.
Num quintal dos arrabaldes
uma mulher
sem idade fixa
alimenta os animais
alguns seus, outros selvagens

Aqui
a vida corre sem margens
nem leito nem zaragata
de água doida contra pedra

E contudo corre sim
no tempo lento e secreto
de juntar sinal de fome
com vontade de comer

Pois aquilo que separa
haver vida de ser morte
é talvez apenas isso:
ingestão e digestão
de alimento imprevisto

in Antes de mais e depois de tudo, seleção e posfácio de Rui Manuel Amaral, Editora Exclamação, julho 2020, página 59

5.
Não sair da casca
não sair da cama
não sair de casa
não sair de cá

Ver o que os poros vêem
ler o que os dedos lêem
rir como as rugas riem
ser como os nervos são

Pensar em estado de choque
dormir em estado de guerra
falar em estado de transe
amar em estado de sítio

Mas que não se note 

4.
Ora o livro
ora o lápis
ora a libação

a orelha dorme
debaixo das almofadas
feitas para asfixiar
os gritos do futuro

ora o livro
ora a oração

cada passo significa
um traço rasurado
noutro mapa mais ingénuo

mas o risco da correcção
reside precisamente
na chamada da atenção

para o que já esteve escrito
para a escrita do que lá estava.

in Caderno dos atalhos e dos becos, p. 73 

3.
O primeiro desejo dos amantes
é serem velhos amantes
e começarem assim o amor
pelo fim. 

2.
Há paredes de palavras
a que chamamos textos.
Cada palavra de cada parede
toca uma outra palavra
e é por ela tocada. 

1.
é certo que por vezes conversando
lutavas contra luas e olhos baços
semi-cerravas dextras as palavras tuas 

Sete perguntas a Regina Guimarães

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