AINDA que pouco espaçosa, uma piscina é obra para aplicar algum capital e por isso se deve pensar muito bem onde construir o dispositivo natatório – longe do ruído, afastado de olhares indiscretos, rodeado de amplas ervagens milimetricamente aparadas para o estender do corpo aos olhares e à carícia da tostadela solar. A piscina deve ser uma escavação elegante, um perfeito paralelepípedo vazado de inconfundível cor azul, rodeado de uma bordadura anti deslizante, livre de lesmas e sombreamentos. Usar calçada de granito no recinto dos banhos é pouco confortável; o indígena, quando vai para a piscina, vai descalço e inseguro sem a protecção devida para o calcante que assim se sujeita aos ardores da pedra que se abrasa e às asperezas do pouco polimento, da areia encravada e da esquina viva.
Imitando os aquários baratos, há gente que gosta de decorar a piscina com seixos e pedras formando amontoados caóticos que contrastam com o cristalino das águas e a cor vítrea dos revestimentos. Achamos da pior falta de gosto esse toque de rusticidade que apenas evoca uma escombreira subaquática onde as ratazanas se alojariam não fosse o aperto de respiração por carência de guelra.
A piscina deve estar sempre cuidada. É muito desagradável ver detritos no fundo do tanque, fraldas de crianças, aparelhos auditivos, escovas de cabelo, batatas fritas amolecidas e outras miudezas – canos, arames ou matéria castanha é, simplesmente, inadmissível, nojento. Para além da água, do cloro, do corrector de ph, do floculante, do anti-algas e outros temperos, só é tolerável um ou outro pequeno insecto desenhando círculos e movimentos caprichosos à tona d’água até que o fôlego lhe faleça. Passado esse pequeno apontamento coreográfico, deve-se retirar o cadáver para não se correr o risco do espelho d’água perder a cintilação e transformar-se num mortório de escaravelhos e pernilongos. O mesmo se aplica à folhagem a boiar – coisa poética nas primeiras contemplações e, logo depois, memória de poça infecta. A piscina não é a lagoa romântica na clareira do bosque, envolvida pela neblina da aurora, povoada de lontras, carpas, crustáceos e anfíbios a escorrer limos.
Deve-se também evitar a localização da piscina junto da Rua da Estrada. Mesmo com sebes, muros e protecções de arame, há sempre aquela gente curiosa que não resiste a passar sem olhar (ou mesmo fotografar, ou não seja o mundo um amontoado de tarados), perturbando a privacidade e o recato do banhista.
Além disso, como o progresso é imparável, pode acontecer que a estrada se torne muito estreita e esganada para o tráfego que não pára de aumentar, podendo muito bem acontecer ter que fazer-se uma estrada maior, mais larga e construída mesmo ao lado para desempenhar a mesma serventia mas debitando paletes de carros e camiões que fazem muito vento e produzem exalações pestilentas.
Claro que é uma hipótese remota. Mas pode acontecer.
Nunca se sabe.
Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.