PERDOEM-ME os seguidores do yoga, dos retiros espirituais, os amantes das paisagens exóticas da Índia, perdoem-me também os defensores da sustentabilidade e da resiliência.
Apresento-vos a região metropolitana de Delhi – ou uma das distopias urbanas do século XXI, o lugar do fim (ou do princípio do mundo), o espaço-limite onde os impasses ou modelos teóricos ocidentais se esboroam por incapacidade, constituindo não mais que um espectro difuso, delirante ou quase mitológico sobre a possibilidade de definir futuros neste contexto.
Cozinhada num caldeirão onde a utopia neoliberal constitui actualmente o dispositivo mais poderoso na construção da sua narrativa urbana, onde a sociedade indiana (ainda estratificada e dividida), o seu meio amniótico e os traumas pós-coloniais a sua atmosfera favorita, Delhi (como outras grandes metrópoles globais) constitui o espelho mais próximo do que pode ser considerado o fruto anárquico do urbanismo especulativo. Cresce desvairadamente fugindo ao controlo do plano, superando a própria realidade, numa odisseia que parece ter sido imaginada por Homero, Fritz Lang e Calvino em simultâneo. Poderosos fluxos globais de capital colam-se à sua sociedade segmentada e à precariedade induzida, constituindo as forças motrizes que a movimentam e constroem. Movem a migração rural que procura um futuro promissor na cidade e que acaba a engrossar as fileiras de mão de obra barata ou apenas e só, expandem as já infindáveis e periclitantes favelas que convivem lado a lado com enclaves financeiros, tecnológicos e imobiliários securizados, movem a construção das colossais infraestruturas que os acompanham, movem a desregulação governativa e legislativa…, movem o faminto condutor de riquexó que pedala na cidade velha longe dos magnatas de Gurgaon, donos de empresas assinaladas na Fortune 500. Só as vacas escapam a este vórtice, ou talvez nem isso. Muitos chamam a isto ‘crescimento desigual’ – eu prefiro chamar-lhe ‘montanhas de desigualdade’. Também o que dizem ser o planeamento urbano deve neste contexto ser antes referido como mosaico de negociações sobre o uso do solo (apenas 24% da população vive em zonas legalizadas). Depois há outras ‘externalidades’ não menos inquietantes, a poluição alarmante, a mobilidade caótica, as infraestruturas e recursos incapazes de suprir as necessidades de uma população que se estima vir a ser de 27 milhões em 2021, as toneladas de lixo geradas diariamente etc.
Não me parece neste contexto que o yoga, a espiritualidade ou a religião resolvam os problemas; a sustentabilidade parece uma utopia importada – que já chega fora do prazo – e em resiliência, outra palavra usual e que serve para tudo, já a população de Délhi se encontra: resiste todos os dias, um após o outro, nem que seja através do simples gesto de transportar balões coloridos pela cidade no meio deste universo de des(ilusões). E agora?
Texto e foto de Sebastião Santos em Nova Delhi