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Rua da Estrada da andrajosa criatura

Rua da Estrada da andrajosa criatura

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É BASTANTE frequente pensar-se que a Rua da Estrada não é nada boa para caminhantes e peregrinos. O caso está à vista nesta estreiteza de valeta que rapidamente congestionará com dois carreiros de formigas um para lá e outro para cá.

Sendo isto certo mas constatando também o reduzido caudal de tráfego no asfalto, era escusado o peão metálico galgar as bordas com este ar ameaçador de embuçado de capacete e bastão a meter-se pelos campos. Um colete refletor muito verde alface ou amarelo estridente bastaria e seguisse o homem a direito pela estrada em passo desenvolto. De certeza que os automobilistas facilitariam o trajecto com medo de uma bengalada.

Não ia resultar. Houve qualquer coisa nesta estatuária que não correu bem. Esta figura remota saída do imaginário medieval, mais próxima do guerreiro reformado do que do peregrino andarilho, deveria seguir as instruções da peregrinação a pé e desfazer-se daquela burca pesadíssima: sapatos adequados e confortáveis tipo sapatilha ortopédica, meias brancas de algodão sem costura calçadas do avesso, roupa clara e com mangas (e não aquele decote assimétrico descaído), agasalho para a noite, lanterna, protector solar, chapéu e óculos de sol (em vez do capacete), impermeável e guarda-chuva, uma sacola ou mochila, batom de cieiro, água, frutos secos e açúcar.[1]

Quanto à vieira do peregrino de Compostela que agarra com a mão esquerda, claro que a pode levar mas devia ter escolhido um tamanho mais pequeno que penduraria ao pescoço ou no bastão, evitando esta enormidade pesada que lhe dá um ar de discóbolo sem elegância atlética, tensão, movimento.

Será Sebastião que dizem que viria embuçado num dia de nevoeiro? Sebastião viria num cavalo branco, esbelto, transparente, acompanhado pelo seu galgo. A este mostrengo falta-lhe essa leveza e claridade, um certo abandono de si. Para caminhante peregrino, falta-lhe serenidade, abandonar aquele ar acossado de ladrão em fuga sem GPS. Afundado nas suas próprias trevas e enganos, nada indica que esta expedição dê bons resultados. O homem vai atolar-se em adversidades sem enxergar nada da demanda metafísica que lhe move as pernas e a alma. Evocando Antonio Machado

Caminante, son tus huellas
el caminho y nada más;
caminante, no hay camino,
(vete por la calle-carretera)
se hace camino al andar…

Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.

[1]Está tudo aqui:  http://www.fatima.pt/pt/pages/peregrinos-a-pe

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