NÃO sei se é por causa da minha rusticidade de berço ou de cultivar em demasia uma certa distinção social alternativa, que não me consigo amigar com piscinas. Provavelmente é pelas duas coisas, por gostar de nadar no rio e pelo cheiro a cloro que me dá para lacrimejar e o verbo correspondente à palavra derivada com as últimas cinco letras dessa mas em que o e é um i. Dizia uma minha antepassada rústica que mais valia fazer poças para regar o milho e que para os rapazes nadarem é muito pequena, e para lavar roupa é muito grande e o gado nem pode ir lá beber. Enfim.
Porém, de tanto protesto dos parentes, que está muito calor, que o rio está cheio de pedras e limos e é longe, que os filmes estão cheios de piscinas com gente gira a beber coisas esquisitas à volta de grandes conversas, que as primas mostram roupas de banho chiquérrimas e reduzidas, que toooooda a gente tem uma piscina, que o quintal é enorme, que o que ficava bem no meio das fruteiras eram espreguiçadeiras, guarda-sóis e toldos, e coisas que tal ….,
encomendei duas piscinas. Sim, duas. Não há fome que não dê fartura e tal como as torneiras e a canalização, uma será de água fria e outra de água quente, alternando com água salgada e doce.
Não olhei a despesas. Exigi piscinas enormes, três vezes mais compridas do que a altura dos portões do quintal que até tiveram que ser retirados para essa artilharia entrar aqui para dentro; três vezes maiores do que a enorme gaiola dos pássaros exóticos que está no jardim e, sei lá, umas dez vezes maiores que a casa. Bom, a casa também não é grande coisa tirando a porta da frente em arco de volta perfeita, ciclópico, que vai até ao telhado. Terra quanta vejas, casa quanto baste, diziam os antigos e a mim basta-me esta. Em me podendo enroscar lá dentro é mais que suficiente. Quando está muito calor vou para a sombra.
Detesto coisas vulgares, como já perceberam. Anda meio mundo a copiar outro meio sem qualquer tipo de imaginação ou inteligência que dê para notar o berço e a cultura de quem a tem. Por isso mandei pôr as piscinas ao alto. Detesto as águas em horizontal, paradas, moscas às voltas quase afogadas, folhinhas a cair irritantemente e a boiar e quem sabe, algum louco desses dos helicópteros dos incêndios que se pode lembrar de vir encher o saco da água às piscinas. Era o que mais faltava. Por exemplo, estou farto de dizer ao vizinho que corte aqueles pinheiros. Não corta. Se arderem, ele que os apague ou que aproveite para se aquecer, ou que se inflame de desejos ardentes. Acho que é para isso que o fogo serve.
Ficaram então ao alto. Tenho pena que se tivesse precipitado na foto. Tinha-me dito e eu ligava-lhe o motor. Veria então jorros imensos de água a esguichar em cascata por estas concavidades abaixo e pelas traseiras; veria o que é a verdadeira frescura, as águas vivas e não a pasmaceira da poça a tremeluzir de reflexos com mais umas voltas desesperadas das moscas afogadas e das folhinhas. Que disse? Nadar? Ora nadar, ora, ora, quem é que quer essa trabalheira de estar a esbracejar com este calor? Nadar, nadam as fanecas e outros animais de escama que cheiram a peixe. Quem quiser nadar tem o rio, percebe? E banhos de imersão é na banheira que tenho lá dentro; toda turbinada, havia de ver, até tem jactos que nos massajam por baixo…, quer que lhe conte? Não? Está bem. Vá lá então à sua vida e saia daí que isto é propriedade privada.
Não ouviu? Quer que lhe solte o meu dono?
Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.