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Rua da Estrada da criação

Rua da Estrada da criação

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DIZ a Wikipédia, fonte inesgotável de conhecimento, acerca da criação: Criacionismo – teoria criacionista, que se refere à concepção religiosa da criação do mundo; Criação (teologia) – doutrina da teologia sistemática relativa ao decreto criador de um ser supremo; Criação publicitária – processo de elaboração de peças e campanhas publicitárias; A Criação – uma oratória dividida em três partes, escrita em 1797 pelo compositor austríaco Franz Joseph Haydn; Creation – filme de 2009 sobre Charles Darwin. É tudo.

Não há nada sobre esta criação – os vivos, como se dizia no Alentejo de antigamente: com ou sem quintal, grande número de moradores humildes dos povoados rurais, criam em casa os seus vivozinhos – meia dúzia de galinhas, um ou dois bácoros de vez em quando, e, por acaso, a sua ovelha ou borreguito e um barrinho, o que, de resto, se observa em menor escala. Os lanígeros e asininos, como taronjos e estúpidos que são, carecem de guardaria e pastos, que a gente pobre lhes não pode dar, por falta de logradouros comuns. Não assim as galinhas e porcos, de instintos maravilhosos para tratarem de si…”[1]. No entanto, cá estão eles em franca convivência nesta espécie de fosso de orquestra da Rua da Estrada em modo de rotunda. Não serão atropelados enquanto não estiverem wireless netting.

Lá em cima, uma imensa cristaleira com a sua rigorosa geometria de quadrados de vidro e betão oferece-se caras ao sol e ao movimento da estrada. Houve já melhores tempos por aqui. Como gigantescas montras, estes edifícios regurgitavam de móveis, sofás, candeeiros, tapetes, almofadas, cortinados e objectos de decoração, multiplicando salas de exposições por vários pisos que à noite se iluminavam seduzindo o passante automobilizado. A diversidade de oferta ao longo da Rua da Estrada e a relação mais próxima entre o fabricante e o consumidor faziam o sucesso desta geografia comercial e industrial organizada em circuito.

Enquanto a crise não passa, multiplicam-se os edifícios-montra vazios esperando melhores dias que os voltem a encher de gente, coisas e acontecimentos. Entretanto vamos debicando folhas de penca e ração que nos vão parcimoniosamente servindo em tempos de restrição orçamental. Na capoeira, secção dos garnisés, só vejo galos; o coelho branco está só e, dos patos, só se veem dois exemplares pouco animados. Há uma desproporção na representatividade dos sexos e, contrariamente ao edifício, a capoeira é de uma absoluta fragilidade. Apetece mudar as bichezas para o conforto das instalações de cima e esperar que se reproduzam e equilibrem melhor as quotas de machos e fêmeas, crescei, multiplicai-vos e enchei a Terra, como li algures num livro sobre a criação em geral.

Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.

[1] José da Silva Picão (1947), Através dos Campos, Neogravura, Lisboa, 2ªed., pp.131/132(1ª ed, 1903)

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