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Rua da Estrada da Europa

Rua da Estrada da Europa

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FECHOU o Café Snack-Bar Strasbourg e está para venda. Sinal dos tempos. Durante o período em que funcionou nesta casa kitada, era uma animação na Rua da Estrada da Europa – Strasbourg era o coração democrático da União Europeia onde funcionava o Parlamento Europeu, único órgão verdadeiramente eleito dos muitos que governam a EU. Discutia-se muito neste café, uma peça fundamental da construção do espaço público como demonstrou Habermas para a sociedade burguesa da Europa desde o séc. XVIII[1] – aí se juntavam os “públicos” enquanto leitores, espectadores e ouvintes mas também destinatários e animadores críticos dos debates que circulavam na imprensa e no diz que disse e que estavam muito para lá dos circuitos restritos do poder e da sociedade da corte e da aristocracia. Nestes e noutros salões a democracia ensaiava-se em versão reduzida nestes lugares comuns onde os letrados se misturavam com a boémia. Eram os parlamentos à volta do chá, do café, do chocolate ou do vinho.

Agora não se sabe muito bem o que é que se passa no Parlamento em Strasbourg. Muitas comissões, muita discussão, mais de setecentos a falar muitas línguas, muita missa, muitas leis e o cidadão com os ouvidos cheios de Merkel, de Euro, de mercados, de dinheiro, dinheiro e dinheiro e outros monos vestidos de cinzento, folhas Excel, tecnocratas, burocratas e corujas e comissários que ninguém elegeu e que espirram, julgam, avaliam, mandam do alto da sua imensa incompetência para defender as coisas públicas. Da Europa como utopia justa, valor de união e de direitos e dignidade sociais, passou-se a esta Europa estranha, dos interesses, da prepotência, do grande défice de visão política e de valores humanitários, trocados pela vertigem neo-liberal e pelos negócios.

Agora que a Grã-Bretanha foi à sua vida, não se sabe como esta geringonça vai reagir face à sua dupla disfuncionalidade: ter reduzido a um limiar perigoso o ideal europeu e com isso ter dado muitos argumentos ao crescimento galopante dos partidos nacionalistas, neo-fascistas e xenófobos.

Veja-se o estado em que o café Strasbourg ficou: os muros escacados, a erva a crescer por todo o lado, um chão de remendos que será lamaçal quando a chuva vier. Nem a santinha da parede funciona.

Como Habermas tinha dito há cerca de um ano, “no seu figurino actual, a Europa deve a sua existência aos esforços de umas elites políticas que têm contado com o consentimento passivo de populações mais ou menos indiferentes[2]. Essa tropa não quis saber do défice democrático, não lhe interessa se a Europa corresponde a alguma coisa, crença ou valor que possa ser partilhado. Agora a indiferença está cada vez mais politizada e sairá da hibernação para espevitar a mixórdia da democracia sem política e o seu arsenal de pseudo-temas como a sustentabilidade, misturados com a negação de direitos aos emigrantes, por exemplo. Grande salsifrada.

Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.

[1]Jürgen Habermas (1978), L’Espace public, Paris : Payot.
[2] Jürgen Habermas (2015), The Lure of Technocracy, tr. Ciaran Cronin, (Polity, 2015), p.3

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