“PERGUNTAY aos enfermos para que nace esta celestial Minina, dirvoshão que nace para Senhora da Saúde: perguntay aos pobres, dirão que nace para Senhora dos Remédios, perguntay aos desamparados, dirão que nace para Senhora do Emparo: perguntay aos desconçolados, dirão que nace para Senhora da Consolação: perguntay aos tristes, dirão que nace para Senhora dos Prazeres: perguntay aos desesperados, dirão que nace para Senhora da Esperança. Os cegos dirão que nace para Senhora da Luz, os discordes para Senhora da Paz, os desencaminhados para Senhora do Socorro, os quase vencidos para Senhora da Vitória(…)”[1]
Já naquela altura, o Pe António Vieira explicava assim a importância do culto Mariano em Portugal. Einstein dizia que a ciência sem religião é manca e que a religião sem ciência é cega e supersticiosa Em vez do dualismo habitualmente utilizado para argumentar esta relação, talvez seja preferível entender que a ciência trata de factos empiricamente comprovados, e a religião trata de valores e moral. Uma disputa pela verdade de uma e de outra com argumentos cruzados e razões tão distintas como as que habitam estes dois mundos, é capaz de dar uma conversa superficial sem muito sentido. De facto, ambas são produto do sentir e da experiência humana e ambas pretendem transcender essa experiência, uma vasculhando a natureza, os factos, o natural e a outra, o sobrenatural.
A verdade é que religião e ciência andaram muito tempo juntas no pensamento dito ocidental. Nem sempre muito bem. No caso de Galileu Galilei, a Congregação para a Doutrina da Fé, a Santa Inquisição, o Santo Ofício, na altura, assegurava que o planeta Terra estava imóvel no centro do Universo porque sim. O regime de enunciação da verdade proposto pela teologia entrava em órbita de colisão com o regime da ciência. Como o poder da igreja estava mais sólido do que o da ciência, Galileu ficou com o seu telescópio, herético a cismar nos rodopios do planeta. Já lá vai algum tempo. A Congregação da Fé agora já não comete deslizes tão temerários, Eppur si muove.
É bom que se saiba, mas não quereria desenvolver mais isto. De resto, seja com a Filosofia, seja com Política, encontraríamos outra vez semelhantes campos de disputa – o ópio do povo da religião, na versão marxista; o fundamentalismo islâmico; o povo de deus do Estado Israelita…, nenhuma destas coisas trás felicidade.
O pensamento religioso tem as suas razões, conhece bem a condição humana e as suas atrapalhações acerca do bem e do mal, sabe da sua fome de mistérios, infinitos e inquietações. O celebrado poeta romano Públio Ovídeo escreveu que
Dos deuses é-nos útil a existência
e como é útil existirem deuses
acreditemos que realmente existam.[2]
Cuido então que esta pequena capela dedicada à Senhora de Fátima não me merece nenhum azedume acerca das polémicas aparições ou de supostas crendices de pagadores de promessas. Prefiro acreditar na versão de Émile Durkheim, o pai da sociologia:
“a verdadeira função da religião não consiste em nos fazer pensar, em enriquecer o nosso conhecimento, em juntar às representações que devemos à ciência, representações de uma outra origem e de um outro carácter…, mas em nos fazer agir, em nos ajudar a viver”[3].
Não é pouco.
Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.
[1] Padre António Vieira, 1664 – Sermam de S. Joam Evangelista, na festa do Príncipe D. Theodósio na Capella Real, no anno de 1644, in João André de Araújo FARIA (2010), A Restauração Prodigiosa de Portugal, 1640-1668, Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, p.68 (consultado em Outubro de 2012 em
http://www.ufrrj.br/posgrad/cphistoria/docs_dissertacoes/2010/JoaoAndre.pdf ).
[2]Ovidio (42ª.C-17d.C.), A Arte de Amar, tradução de Natália Correia e David Mourão-Ferreira, Ed. Galeria Panorama, Lisboa, 1959
[3] Émile DURKHEIM (1912), Les Forme Elémentaires de la Vie Religieuse, PUF, Paris (ed. 1968).