HÁ adjectivos que enlouquecem. É do tempo e da poeira que lhes tolda o discernimento ao ponto de se soltarem das coisas que adjectivavam (essas coisas podem até já ter desaparecido…) e continuarem no éter a qualificar o que aparecer que faça lembrar qualquer mínimo resíduo, pegada ou fantasma do já finado. Não é a loucura de que falava Erasmo de Roterdão no seu conhecido monólogo: a doce ilusão que liberta a alma dos seus penosos cuidados, fonte da felicidade que vive na imperfeição dos humanos. É uma cisma obsessiva e pode ser até uma preguiça mental em não querer perceber o que se passa porque é capaz de dar muito trabalho; penso, logo exausto, como dizia já não lembro quem.
Rural é um tal adjectivo. Já não se sabe que lhe fazer. Há o turismo rural, a zona rural, o trabalhador rural, o desenvolvimento, o meio, a casa, a economia, o êxodo, o mundo e está longe da lista se completar. Com tal elasticidade, não é difícil que a internet possa ser também rural.
Afinal, vai-se a ver a a Internet rural é um serviço de internet dependente de uma conexão, de um operador local de telecomunicações sem fios – um ponto de acesso ou hotspot no linguarejar da especialidade. Também se pode chamar internet móvel.
O racional da questão (por assim dizer) é quo o rural se explica por se tratar de um território escassamente povoado que não torna viável um serviço de internet por cabo. Não é rural por ser agrícola a economia, a fonte principal do rendimento, do produto, do emprego ou do salário, ou por ser camponesa e tradicional a cultura – era isso que o rural significava e assim seria também a paisagem por via da abundancia de espaço que os agricultores trabalhavam. Na Galiza não chegam a 7% os que trabalham na agricultura ou na pesca, e a riqueza produzida por esses, medida pelo valor acrescentado bruto, andará pouco acima dos 4%.[1] Assim minúscula, é tão preciosa esta sobrevivência do resquício rural (seja lá o que isso for) que até a Xunta de Galicia, o governo regional, patrocina a campanha RURALÍZATE!, onde aparecem automóveis a fugir e bonecos com batatas às costas, “cambia a unha vida mellor”. Qué raro!
O WiFi é a wireless fidelity ou fidelidade sem fios, coisa em que se pode confiar e que não nos abandona (se não deixarmos de pagar). Lembra Vinicius mas não é nada que se pareça[2]:
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.
[1] Xunta de Galicia, Programa de Desarollo Rural de Galicia 2014-2020
Consultado em http://ovieiroleboreiro.com/gdr/documentos/PDRGalicia.pdf
[2] Vinicius de Moraes,Soneto de Fidelidade in Antologia Poética, Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1960, p.96.