OS senhores do Entre-Douro-e-Minho, a fina flor da nobreza portucalense, eram coisa de respeito. José Mattoso defende mesmo que a delicada empresa de formar um país levada a cabo pelo futuro rei Afonso Henriques – péssimo exemplo de amor maternal – não teria sido possível se não fosse o apoio desta casta valerosa preocupada com o seu poder ou com a sua diminuição se os Trava e outros Galegos se lembrassem de organizar um reino em torno de Dona Teresa, a mãe do valeroso Afonso do Condado.
Com as suas terras e privilégios, os exércitos de serventes e criadagem, a fartura das casas, os cavalos, as esposas estremadas e muito beatas, o grande senhor devia manter acima de tudo o seu prestígio mesmo que a riqueza se tornasse por vezes problemática. Devia-se desdenhar da burguesia próspera sem sangue nem linhagem – os novos-ricos devidamente odiados e ridicularizados pelas suas folias vistosas, pelo esbanjamento ou pelo permanente jogo de bico de pés para entrar no círculo da nata fresca e da flor do sal -, e ser generoso e condescendente com os pobres, noblesse oblige, ou porque isso era ostentação de nobreza de carácter, ou apenas reconhecimento fugaz da escravatura que servia o senhor e garantia que os seus domínios lhe continuassem a proporcionar uma fonte permanente de rendas. Tudo isso e muita alvenaria de granito nos muros, portais e solares, muitas capelas, cruzes e adereços de fé.
Infelizmente nem tudo dura. O declínio da nobreza é muito duro – deixar o conforto com a preocupação de nada fazer, o tédio dos salões e da etiqueta, os banquetes, as caçadas, os torneios ou a pimenta e o sussurro das alcovas, as luzes, a distração estudada das damas, as roupas e os penteados longamente elaborados, fitas, ricas passamanarias de pura seda e fio de ouro, cabedais e fivelas.
Perdida a pose é preciso agora aturar a plebe que se insinua na passadeira e na ordinarice da Rua da Estrada, com a vulgaridade dos seus penteados, pinturas, pêlo hirsuto ou trabalhado em madeixas coloridas, tatuagens e pindurelhos metálicos. Já que é preciso trabalhar neste ramo, será então de cabeleireiro masculino que os machos sempre são menos esquisitos e que nos valham as alminhas dos muros, ao que nós chegamos…
Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.