DEPOIS de um imenso estrondo que houve para os lados de S. Bento, uma parte da passarada não aguentou mais e foi a debandada geral. Como são liberais, não há quem os controle; voam ao sabor de um vago GPS, farejando sinais dos mercados, do dinheiro, de um lugar ao sol ou de um poiso algures no partido ou na sua imensa órbita de influência para lá de Saturno e dos seus anéis e alianças. Parece, mas não emigram; mudam ligeiramente de lugar porque emigrar é uma maçada e para viajar mais vale ir de turista ou de negócios.

Passando o estrondo, logo voltarão em revoadas de pluma asseada e bico amarelo com ar de melros.

Ficaram os poleiros num péssimo estado, escangalhados, grafitados, entroikados, cheios de ecos e outras substancias sonoras, vidros partidos, emprego precário, salários emagrecidos, bens públicos entregues ao regabofe do capital privado, velhos-ricos, falta de trabalho, novos-pobres, diplomados a emigrar, novos-ricos, casas penhoradas a bancos falidos, velhos-pobres e outras prosperidades. O povo espera ansioso pela primeira luz que se acenda caras ao futuro.

A passarada foi sempre um problema para o povo, como reza nestas Posturas Municipais de 1853: todo o Lavrador (…)  que fabricar de um carro, até quatro de milho de toda a especie, ou quaesquer outros Cereaes, é obrigado a apresentar até o fim do mez de Fevereiro de cada anno oito cabeças de pardaes, gaios, pegas, e d’outros pássaros de bico revolto, e damninhos, conhecidos vulgarmente pelo nome de verdilhães, e pimpalhões, dos quaes fará entrega ao respectivo Juiz Eleito, que lha passará o competente recibo.[1]

NOTA do autor: a opção pela palavra estontecida é intencional, cujo termo é usado frequentemente no Brasil e não era estranho a Camilo Castelo Branco.

[1] Código de Posturas de Vila Nova de Famalicão, 1853, artº 202, in Boletim Cultural nº3 /4 de 2007/2008, p. 371, http://www.cm-vnfamalicao.pt/_boletim_cultural

Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. É autor de A Rua da EstradaVida no Campo, Volta a Portugal Paisagens Transgénicas.

Publicado originalmente em 19 de Novembro de 2015

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