DIZEM que o Caminho de Santiago é a rota de peregrinação mais velha da Europa. Como a Europa é muito velha, o caminho deve ser mesmo uma verdadeira antiguidade.
A lenda diz que Santiago, depois da crucificação de Cristo, terá embarcado para a Andaluzia em missão de evangelização da Hispania. Depois do Sul, terá andado por Coimbra e Braga, até chegar a Iria Flavia na Galiza. Continuando por terras de Galiza, Zaragoza e Valência, voltou à Palestina onde foi decapitado e o seu corpo lançado aos cães. Esta terra sempre foi violenta.
Seus discípulos Teodoro e Anastasio trouxeram o corpo para a Galiza numa barca sem leme nem vela. Passados mais de 800 anos, um ermitão, Pelayo, descobriu o túmulo num bosque de Libredón no actual município de Padrón, terra do pimento, unos picam y outros non. Em 899 começa a construção da basílica em Campus Stellae, incendiada em 997 pelo muçulmano Almançor. Não existe consenso sobre esta história, mas é de crença que se fala e não de factos científicos. Não é para demonstrar, é para acreditar. Por isso o campo das estrelas ecoa no Caminho de Santiago que é a Via Láctea na Terra. O cosmos e o sobrenatural habitam mistérios semelhantes lá nas lonjuras onde existem.
Os reformadores como Calvino ou Lutero nas suas cismas místico-abstractas, achavam que peregrinar é uma viagem inútil, tal como o culto das relíquias seria uma idolatria. Lá eles, como dizia uma vizinha minha. Peregrinar é um exercício de estar consigo próprio em andamento, e as relíquias dos santos são relíquias, claro, coisas que se guardam ou veneram pelo significado que lhes é atribuído. Há sempre gente que prefere esquecer que o que distingue os humanos das outras alimárias é o pensamento mágico.
Muito povo não é de peregrinar a pé de albergue em albergue até Compostela que é muito longe e chove muito. Depois, o livro de Paulo Coelho O Diário de um Mago que muita gente transporta porque conta a história de um peregrino a caminho de Santiago e de uma mistela de magias, rituais iniciáticos e outras especiarias tóxicas, é uma coisa tenebrosa. Contudo, os lugares sagrados fascinam pelo que contêm de profano se é que esta distinção existe.
Em Ponte Ulla passa o Caminho de Santiago que vem do Sul de Espanha, o Camino Mozárabe ou Sanabrés ou também Via de la Plata. O tom fosforecente da foto diz bem da magia deste lugar onde para além da Rua da Estrada, existe uma colecção invejável de pontes: antigas, altas, baixas, pequenas, grandes, em pedra, com arcos, franquistas, em betão, ferroviárias e de tren de alta velocidad, enormes. Um espanto de arcos em ogiva para rumar a Compostela y qué lo paseis muy bien!
Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.