DESDE Almeida Garrett que o campino se transferiu da lezíria para o friso dos símbolos identitários da alta cultura nacionalista que foi buscar ao campo uns apontamentos românticos: um cavaleiro, apesar de criado de barrete com as cores da bandeira republicana; e o pampilho ao ombro como quem vai para um torneio. Para Alves Redol, o campino é um desgraçado, sombra do patrão perante os outros escravos da terra no latifúndio do Ribatejo: “… sempre bravo na luta com o toiro, mas tímido perante os homens, respeitando o patrão até à idolatria numa ancestralidade do servo da gleba, – silencioso pela mudez da estepe e pela condição atroz da sua vida de perigos e misérias, amassada em amarguras e desalentos, – comunicativo se a concertina arfa e há moçoila para marcar dança de roda ou rival para bater fandango.”[1]
Este deve ser de fibra (de vidro) e está num pedestal como compete às estátuas equestres. Anuncia promoções que é o que mais há neste país desde que os bens públicos foram para a raspadinha das chamadas privatizações que até deram para vender a EDP a uma empresa estatal.
Chinês é o reclame que está do outro lado da Rua da Estrada. Lucky Star é um género manga japonês que deu filmes, jogos electrónicos e coisas do género. Também é título de um disco da Madonna. Não interessa.
Está tudo límpido como o céu: a identidade é um guisado feito de produtos requentados, desde o xarope tóxico dos símbolos da portugalidade bem refrescados no tempo do SNI, até aos temperos dos mercados globais. Basta atravessar a estrada.
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Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. É autor de A Rua da Estrada, Vida no Campo e Volta a Portugal. Colabora com o Correio do Porto desde janeiro de 2015.
Publicado originalmente em 14 de setembro de 2015
1 Alves REDOL (1937), “Campinos”, Jornal O Diabo, Lisboa, p.7