À MEDIDA que os humanos vão aumentando e variando o número e o tipo de próteses tecnológicas sem as quais o ecossistema em que se organizam entraria em delirium tremens, aumenta também o risco desses sistemas técnicos se ensarilharem uns nos outros e assim se vão abrindo curto-circuitos para o fim do mundo e outros abismos.
Ao contrário das cobras assanhadas presas umas às outras por ferroadas e nós cegos, por agora não há problema neste reino: os tubos enrolam-se ordeiramente, encostados aos muros dos quintais para depois se estenderem ao longo do canal técnico da estrada e cumprirem a sua função de condutos de fluídos. Assim se arruma a Rua da Estrada tornando-a mais funcional porque melhor dotada de funcionalidades. Se não for pecado, até água-benta se pode pôr aqui a correr.
Não se pode é seguir o exemplo de Braga onde pela segunda vez a passagem de cabos de fibra óptica pelos colectores de esgoto entupiu o saneamento e foi… uma merda. Dizia no jornal que a acumulação de dejectos tinha formado um rolhão e assim não passava a caldeirada fétida. Como é possível que milhares de anos de experiências de instalação de cloacas desde os romanos da Bracara Augusta, tenham desembocado nesta colisão grosseira dos tempos e das tecnologias? É por isso que a urbanização da Rua da Estrada vai mais serena e sem porcarias. Faremos a seguir uns passeios e estenderemos as vinhas que espirram dos quintais para cima de uma pérgula; virá Baco alcoolizado, as orgias constantes e a Ariadne, sua esposa, especialista em estender fios por labirintos que é muito mais difícil do que canalizações por estradas. Está tudo ligado (falta pôr contadores e caixas de visitação).
Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. É autor de A Rua da Estrada, Vida no Campo, Volta a Portugal e Paisagens Transgénicas.
Publicado originalmente em 8 janeiro de 2016