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Rua da Estrada do galo no giratório

Rua da Estrada do galo no giratório

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PARA memória futura antes que a tinta desbote, fica registado que este galo é de Barcelos, das terras de Prado onde se fazia muita telha, louça e figurado ou estatuária. Desde que os visitantes da Exposição de Paris de 1937 receberam um galo de Barcelos das mãos da esposa de António Ferro, estava o bicho universalizado e o Estado Novo contente com o que propagandeava sobre a alegria e a imaginação do seu povo (a viver miseravelmente).

Muito antes das manobras folclóricas da ditadura, o galo tinha já um curriculum que remontava à noite dos tempos. No seu estudo aprofundado sobre as Olarias de Prado (então concelho composto por freguesias que hoje pertencem a Braga, Vila Verde e Barcelos), o etnógrafo Rocha Peixoto (1899) escrevia que a figura do galo “excede em numero e em variedade todas as especies da fauna. É a melhor tratada em nobresa de porte, em insistencia de detalhes em apuro final de modelado. Na impressão que as aves exercem destaca-se a que produz esta, visivelmente pelos costumes dominadores e masculos. Altivo e majestoso, vigilante e cupido, todo o povo o celebra, em contos, em superstições, em cantares (…) Canta o gallo, abre a luz”[1]

Esqueceu-se o ilustre etnógrafo das lendas do milagre de um certo galo assado que, por prodígios divinos,  canta para provar a inocência de um condenado a morrer na forca. Em Barcelos, como noutros pontos dos Caminhos de Santaigo, a história repete-se.

A contrastar com estas alegrias, R. Peixoto não poupava os adjectivos para descrever a miséria dos oleiros, socorrendo-se dos escritos de outro etnógrafo, Joaquim de Vasconcelos: “pobrissimo, rude, exilado e expoliado, a existencia do oleiro dá-lhes travos de martyrio e apenas, em lampejos breves, a magoa se dilúe tenuemente nas romagens – unicos ensejos da sua lastimavel formação educativa”. Antes destas palavras tinha zurzido duramente no gosto rasca dos “denominados cultos” de Braga e das cenas da Paixão das capelas do escadório do Bom Jesus: atulhadas de figuras horrendas. Explicava assim a razão dessa lastimável educação estética do povo a juntar às condições de pobreza material.

Não sei se a Joana Vasconcelos pensou nisto para o seu Pop Galo tecnológico electrónico. Acertou no referente identitário português como suporte para a disseminação global da obra, mas a sua vertente crítica da condição feminina não ia gostar também desta estrofe popular que Rocha Peixoto transcreve:

Este gallo é malvado,
Deshonrador das galinhas
Inda bem não amanhece,
Já anda pelas curtinhas

Contorne-se então o assunto pela direita e dê-se prioridade a quem já gira na rodela. Este galo não canta, não está assado, nem desonra galinhas – simples ou sofisticada, a cultura popular é muito complicada porque não se sabe o que é.

Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.

[1] Rocha Peixoto (1900) As Olarias de Prado, Porto: Portugália, Tomo I, fasc.. 2, pp. 227-270 Publicado novamente em 1966 pelo Museu Regional de Cerâmica, Barcelos  http://ww.cm-pvarzim.pt/biblioteca/site_rocha_peixoto/PDF_s/PDF’s%20Obra/As_olarias_de_prado_1966.pdf

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