NÃO será preciso ruminar uns livros de física teórica para nos convencermos de que existem muitos mais espaços e tempos dos que os que rezam nos GPS e nos relógios. A Rua da Estrada é um espaço-corredor mais para o lento, mais chegada ao chão e às suas rugosidades onde, por trás das redes, se guardam ainda coisas da idade da pedra com fontes, relógios de sol, taças, nichos, colunas, bolas e outros dispositivos que vão bem em qualquer jardim.
A auto-estrada é outro produto, qual prótese tecnológica de alta performance que impõe a sua própria topografia homogénea de asfalto, separadores, protectores laterais, sistemas de drenagem, curvas suaves, portagens e tabuleiros brancos; fura por túneis, galga vales e abismos por aterros, pontes e viadutos, e os automóveis fazem muito vento para lá e para cá quando passam.
Estes dois espaços-tempos não se encontram, desnivelam-se. Porém, nos nós de ligação, Einstein mostra todo o seu poder de relatividade e distorção; por milagres de velocidade, a relação entre o relógio e o GPS, o tempo acelera e o espaço encurta.
Espreitam as casas do fundo dos túneis e voam os telhados no meio de tantos prodígios.
SOBRE O AUTOR: Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. É autor de A Rua da Estrada, Vida no Campo e Volta a Portugal. Colabora com o Correio do Porto desde janeiro de 2015.
Publicado originalmente em 12 de Agosto de 2015