PLEASE mind the gap é um recado mil vezes escrito e amplificado no metro de Londres. Não consta que o tal metro passe aqui mas a verdade é que seja lá o que for que passou, não foi nada suave nos seus pensamentos, obras e omissões. Registe-se, no entanto, a serenidade que habita a frente da casa com as suas grandes janelas, as tonalidades rosa-velho, os cestos, as flores dispostas em ramos…; ao virar da esquina, vira-se verdadeiramente para outro mundo.
Penso que a horda de demónios que por aqui passou – coisa muito mais irrequieta do que uma simples Rua da Estrada onde tudo acontece por etapas e ajustes mais ou menos delicados – deixou rasto e explicações nas tabuletas azuis que se vislumbram lá para trás da casa da porta lateral posta para o abismo.
São as auto-pistas e a brusquidão com que irrompem e levam tudo pela frente numa sequência de taludes, túneis, valas, viadutos e outras obras de arte (é assim que lhes chamam). Depois, em tendo que se lhes ligar uns acessos, pode acontecer que se faça uma passagem superior perpendicular à dita via acelerada e duas rotundas nas pontas para organizar entradas e saídas na dita aceleração.
Toda esta relatividade da física dos movimentos, das velocidades e dos nivelamentos dos terrenos, causa várias ondas de choque com as massas pré-existentes e por isso ficam as portas penduradas e as cicatrizes nas paredes. Rejubilemos porém porque não sendo o jardim de apreciada categoria, se fez uma tira de passeio e se colocaram altos lampiões para iluminar tudo.
Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. É autor de A Rua da Estrada, Vida no Campo, Volta a Portugal e Paisagens Transgénicas.
Publicado originalmente em 13 de novembro de 2015