NÃO falta por aí a expressão floresta verde. Nos sistemas complexos – nos outros também – a redundância faz sempre falta no caso de falhar alguma coisa no algoritmo, como agora se diz. As florestas são verdes por caprichos que a clorofila teima em manter. A floresta negra deve ser uma floresta muito escura. Muitos chamaram a Heidegger o filósofo da floresta negra; o homem era muito virado para a angústia, para o nada, para a inquietação do ser e outras místicas do género. Não sabemos se via duendes ou lobos-maus, mas não se interessava nada pela indústria madeireira; tal como a floresta, parece que tinha algumas sombras negras em matéria de anti-semitismo e simpatia pelo partido nazi. Ninguém é perfeito, diz o povo que também é filósofo. Continuando. Os recibos verdes são outra verdura problemática.
Também há a febre, amarela, a peste, negra, o Danúbio, azul (nasce na floresta negra, está tudo ligado), o mar, vermelho, a couve, roxa, o urso, pardo, e um sem fim de coisas animadas e desanimadas que se colam às cores pior que nódoas. Há as cores frias e as quentes, umas quase congeladas e outras em brasa. Há quem diga que o vermelho é enérgico e abre o apetite, que o amarelo é como o sol, vaidoso, brilhante, perigoso, que o verde é calmo e transmite confiança (vontade de vomitar, às vezes), que o azul é a harmonia, o apaziguamento e que ouro sobre azul é que é perfeito. O violeta é fúnebre. O castanho é da terra, estável, teus olhos castanhos, de encanto tamanhos etc., como uma cantigueta que há que não aprecia olhos deslavados de azul, intensos e raivosos de verde vá se lá saber porquê.
Sem que se desconfiasse de nada, apareceu a cor na Rua da Estrada, verde, violeta e vermelha e deve haver mais por perto. Em matéria de sinalização imperava o vermelho dos perigos e o azul das obrigações, mas agora é tudo mais lindo e diverso. Não há cor-de-laranja e cor-de-rosa por causa do mau pigmento do acordo ortográfico que não serve para nada. Do que mais gosto na estrada é das cores que acendem à noite com a luz dos faróis. Fazia-me muita espécie quando era mais pequeno e os mistérios do mundo eram outros.
Está a esgotar-se o verbo. A cor é um mistério e um encantamento. Se não houvesse luz não haveria cor e era tudo noite e escuridão e não haveria florestas verdes. A composição e a harmonia ficavam mancas. Seria tudo descomposto, sem gramática cromática, apático.
Gosto mais do ultravioleta do que do violeta porque nunca vi o ultra e o outro é melancólico e porque as coisas perigosas irradiam fascínios e seduções. Num certo comprimento de onda produzido por uma lâmpada de mercúrio, a radiação ultravioleta dá cabo dos micro-organismos. Coitados.
A cor violeta não dá cabo de nada e a rua da estrada não é um micro-organismo. Tudo em paz, portanto.
SOBRE O AUTOR:
Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. É autor de A Rua da Estrada, Vida no Campo e Volta a Portugal. Colabora com o Correio do Porto desde janeiro de 2015.