TEMOS uma extrema necessidade de dar nomes às coisas. Pensamos, talvez, que as coisas não podem existir se não tiverem nomes ou se, baralhados os nomes, confundidos ou trocados, também se confundissem as coisas acabando por colapsar por crise crónica de identidade, anomia ou anonimato. Como pensamos o mundo com palavras, tudo o que não tiver palavras ou palavra que não tenha mundos, se precipitará infinitamente por abismos abertos entre mundos desconhecidos.
Dito isto, pensamos também que uma vez as coisas nomeadas por palavras, se perderiam se não fossemos capazes de classificar famílias de nomes, taxionomias partilhando algo em comum. Números atómicos, por exemplo, que o químico Mendeleev engendrou para organizar propriedades similares dos elementos conhecidos, dos não conhecidos ainda, dos naturalmente existentes e até dos sintetizados: o hidrogénio com o número atómico um e sabe-se lá o quê que terá o número atómico cento e vinte ou por aí e que a União Internacional da Química Pura e Aplicada confirmará.
Seja o que for sabe-se lá o quê que por aí virá, organismo transgénico sintetizado parecido com uma planta com asas que sabe contar até cinco, ou matéria que vista de noite é um gás, de dia é metálica, ao nascer do sol está fria e grita se a pisarem, respondendo por géneros variáveis, espécies, famílias, classes ou ordens. Basicamente, coisa desordenada, desalinhada.
Com muitíssima probabilidade, alguma essência dessa coisa por vir estará nesta instalação, no ninho das cegonhas, nos líquenes que enferrujam as paredes, debaixo das penas dos pombos, na tinta desbotada, nas janelas desalinhadas, nos acrescentos e buracos, na roupa a secar, ninguém sabe. Queiram reparar na fita avermelhada que remata um pálido azul mais ou menos descascado (a fita e o azul) que une a tripeça geminada dos edifícios-foguetão com o volume da frente alinhado com a face mais saliente do edifício-foguetão do meio, e o volume de trás alinhado por não se vê daqui. A peça em tijolo aparente ainda não está resolvida talvez por ter nascido com poucas correspondências. É um esforço, um sinal de continuidade e reunião de coisas desavindas, de construção de um todo composto por colagens. Há também o muro baixo e a rede separando o dentro do fora onde está estacionada a moto à sombra e um carrito branco. É o que há.
O limite do asfalto também vai muito incerto. Há que tempos que não chove e que a poeira se vai acumulando, espalhando-se pela estrada, arrumando-se quando passam carros e a levantam em nuvens que depois poisam na berma. É um bocado repetitivo e nada surpreendente.
Tem que haver coisas repetitivas para que tenhamos a sensação que nem tudo é aleatório e caótico e que por isso há coisas (nem que seja poeira e vento) que até conseguimos calmamente prever (mais ou menos).
SOBRE O AUTOR:
Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. É autor de A Rua da Estrada. Colabora com o Correio do Porto desde janeiro de 2015.